O Estranhos

Ficha técnica
Título Original: The Tommyknockers
Título Traduzido: Os Estranhos (1990 – Presente)
Ano de Publicação: 1987
Páginas: 638 (Edição de 1991 – Francisco Alves)
Data de Publicação nos EUA: 10/11/1987
Personagens: Jim Gardener, Roberta Anderson, Ev Hillman, David Brown, Hilly Brown
Conexões: A Zona Morta; A Incendiária; A Coisa; O Talismã; O Cemitério; A Torre Negra
Personagens Citados: John Smith, Charlene McGee, Palhaço Parcimonioso, Jack Sawyer
Adaptação: Tommyknockers (1993)
Disponível no Brasil pelas Editoras: Francisco Alves (1990)
Sobre o livro
A escritora Bobbie Anderson tropeça numa nave espacial enterrada no quintal de sua casa. À medida em que vai desenterrando mais e mais, o poder da nave começa a ser emanado, e pouco a pouco vai transformando a pacata cidade de Haven numa colmeia de pessoas literalmente alienadas. A única esperança de salvação é Jim Gardner, um poeta alcoólatra, que, por algum motivo, não é afetado pela nave, e a quem todos em Haven desejam ver morto.
Resenha
Publicado em 1987, Os Estranhos é uma das obras mais polêmicas e ambiciosas de Stephen King. Embora o romance seja frequentemente classificado como uma ficção científica com elementos de horror, ele transcende gêneros ao mergulhar em questões profundas sobre dependência, poder, isolamento e a fragilidade da humanidade frente a forças externas.
A trama se passa na pequena cidade de Haven, no Maine, onde a escritora Roberta “Bobbi” Anderson descobre uma nave alienígena enterrada em sua propriedade. À medida que ela escava o objeto, uma estranha energia começa a ser liberada, afetando os habitantes da cidade. Eles se tornam “iluminados”, adquirindo habilidades criativas extraordinárias, mas a um custo terrível: a perda gradual de sua humanidade.
O amigo de Bobbi, Jim Gardener, um poeta alcoólatra e personagem central, é resistente à influência alienígena devido a uma placa de metal em sua cabeça, tornando-se o único capaz de lutar contra a ameaça crescente. A narrativa mistura a transformação física e mental dos moradores de Haven com a luta de Gardener contra seus próprios demônios internos.
Escrita durante o período em que Stephen King lutava contra o alcoolismo e o abuso de drogas, Os Estranhos reflete os impactos corrosivos da dependência. A influência alienígena age como uma droga viciante: proporciona um “aprimoramento” inicial, mas, com o tempo, destrói a individualidade e a humanidade de suas vítimas.
Bobbi e os outros habitantes de Haven personificam o paradoxo da dependência – a euforia inicial de superar limitações humanas é substituída pela degradação física e emocional. Gardener, lutando contra seu próprio vício, torna-se o reflexo do autor, que também se via resistindo a uma força destrutiva aparentemente irresistível.
Haven não é apenas uma cidade; ela simboliza a fragilidade das comunidades frente a forças externas. A invasão alienígena pode ser lida como uma metáfora para a homogeneização cultural, onde o “coletivo” substitui o individual, promovendo conformidade em detrimento da diversidade e da liberdade.
Os “dispositivos” criados pelos habitantes de Haven, alimentados pela energia alienígena, oferecem conveniências e avanços impressionantes, mas a um custo terrível. Essa crítica à tecnologia e sua influência desumanizadora antecipa preocupações contemporâneas sobre o impacto da inovação tecnológica na autonomia e nos valores humanos.
A “hive mind” (mente coletiva) que emerge em Haven é uma alusão ao totalitarismo, onde o individualismo é suprimido para beneficiar uma força maior. A resistência de Gardener representa a luta pela liberdade pessoal em meio a um ambiente que exige conformidade absoluta.
A nave alienígena, enterrada há milênios, ressoa com mitos de descobertas de forças antigas que deveriam permanecer intocadas. Essa ideia, comum em histórias de horror cósmico, ecoa temas lovecraftianos sobre o despertar de entidades adormecidas e o perigo de explorar o desconhecido.
Os Estranhos é um dos livros mais longos de King, e sua narrativa é frequentemente fragmentada, com múltiplas perspectivas que detalham a transformação dos habitantes de Haven. Embora alguns leitores considerem essa abordagem excessivamente prolixa, ela serve para criar um panorama completo da invasão alienígena e de suas ramificações.
A construção psicológica dos personagens é um ponto forte. Bobbi e Gardener são figuras profundamente humanas, com falhas e motivações complexas que tornam seus arcos emocionais tão interessantes quanto os elementos sobrenaturais da trama.
A obra é uma homenagem indireta ao horror cósmico de H.P. Lovecraft, com sua atmosfera de isolamento e a presença de uma força alienígena incompreensível. No entanto, King humaniza o horror, colocando o foco não apenas na ameaça externa, mas também nas lutas internas de seus personagens.
A cidade de Haven está ligada ao universo maior de King, com referências sutis a A Torre Negra e A Zona Morta. Além disso, o conceito de possessão alienígena ecoa temas explorados em outros livros, como O Apanhador de Sonhos.
King admitiu posteriormente que Os Estranhos foi escrito em um período difícil de sua vida, e isso é perceptível em alguns momentos em que o ritmo da narrativa vacila. No entanto, a imperfeição do livro também é uma de suas forças, pois reflete a luta interna do autor e o torna visceralmente autêntico.
Os Estranhos não é uma leitura fácil e nem sempre é considerada entre os trabalhos mais celebrados de Stephen King. No entanto, é uma obra fascinante por sua ambição e profundidade temática. Mais do que uma história de invasão alienígena, o livro é uma meditação sobre vícios, perda de humanidade e a luta pela identidade em um mundo que pressiona por conformidade.
Embora não seja perfeito, Os Estranhos é uma prova do alcance literário de King e de sua capacidade de infundir até mesmo as histórias mais fantásticas com uma profunda compreensão das complexidades humanas.
Curiosidades
- Romance influenciado pelo conto “The Color Out the Space”, de H.P. Lovecraft, por Os Invasores de Corpos, de Jack Finney, e pela noveleta “The Big Front Yard”, de Clifford Simak.
- King admitiu escrever o romance durante um período de violento abuso de substâncias entorpecentes. Ele diz ter percebido mais tarde que o romance e o personagem Gard são parciais reflexos dessa sua fase da vida.
- Ao contrário do que alguns pensam, Tommyknockers não é o nome da raça alienígena presente no livro. Na verdade, a própria raça não tem um nome para si, eles simplesmente costumavam aceitar qualquer nome que lhes fossem dados nos planetas que invadiam. O conceito de Tommyknockers é concebido subconscientemente por Gard. No folclore europeu, Tommyknockers são demônios que vivem dentro do subterrâneo e aterrorizam mineradores. O título do livro é só uma comparação entre esses demônios e os alienígenas, posto que ambos foram encontrados dentro da terra, e ambos aterrorizaram as pessoas que os libertaram.
- No álbum “Tales of the Twilight World“, da banda Blind Guardian, há uma faixa intitulada “Tommyknockers“, que é, obviamente, inspirada no romance. Em adição, ainda há outra faixa chamada “Altair 4“, planeta para onde é mandado um dos personagens do romance.
- Por falar em Altair 4, King pegou emprestado esse planeta do filme Planeta Proibido, de 1956.
- O livro levou um total de 5 anos para ser concluído.
Referências Locais
- O manicômio Juniper Hill é mencionado por Bobbi. O mesmo manicômio é mencionado/aparece nos romances A Coisa, Trocas Macabras, LOVE: A História de Lisey
“…dizendo-lhe que em breve estariam tomando suas medidas para um daqueles casacos de lona que se usa de trás para diante; eles a internariam no asilo em Bangor ou naquele de Juniper Hill, onde ela poderia matutar sobre discos voadores enterrados nas florestas, enquanto tecia cestas.”
- Ev Hillman medita sobre as florestas em que está enterrada a nave, pensando também na floresta em Ludlow, e na maldição dos índios Micmac, explorada no romance O Cemitério.
“Os brancos é que costumavam chamá-lo assim, porque seu correto nome micmac era Wahwayvokah, que significa “junto de águas altas”“.
Referências Biográficas
- King faz uma menção a si mesmo, quando o personagem Ev Hillman diz que prefere os livros de Bobbi Anderson porque são realistas, “ao contrário do cara que escreve coisas fajutas lá de Bangor”.
“Além disso, escrevia boas histórias do velho oeste que podiam ser lidas atentamente, em vez de cheias de monstros faz-de-conta e uma montoeira de palavras indecentes, como os livros daquele sujeito que vivia lá em Bangor.”
- Gard escuta a WZON, rádio que pertence a Stephen e Tabitha na vida real.
“Acrescentou que, no terceiro dia disto, pudera identificar as letras da sigla da estação que recebia: WZON, uma das três estações radiofônicas AM de Bangor.”
Referências Culturais
- Há uma parte em que Gard se compara a Jack Nicholson, em O Iluminado.
“Pegar o machado de Bobbi e imitar Jack Nicholson em The Shining?”
Referências a Personagens
- Em uma passagem do livro, Jim Gardener acorda numa praia de New Hampshire, perto do Alhambra Hotel, e lá encontra um menino chamado Jack. Entretanto, há alguns leitores que não acreditam que o menino é realmente Jack Sawyer, o protagonista de O Talismã, embora haja fortes indicações do contrário.
“— Tá bem. — O menino sorriu, com certo acanhamento. — Minha mãe levou um tempão se machucando, antes de… o senhor sabe…
— Eu sei. Como é o seu nome?
— Jack. E o seu?
— Gard”
- Enquanto viaja na van, após seu encontro com o possível Jack Sawyer, Gard conhece um jovem hippie chamado Beaver. Embora este livro tenha sido lançado 14 anos antes de O Apanhador de Sonhos, não há nada que impeça os fãs de decidirem que ambos os Beavers são a mesma pessoa.
“— Temos uma caixa de biscoitos — disse o motorista, estendendo-a para trás. — Comemos tudo o mais que havia. Beaver comeu até as malditas ameixas secas. Sinto muito.”
- O político Greg Stillson de A Zona Morta é mencionado.
“Perdera a razão alguns anos antes — tentara assassinar um indivíduo chamado Stillson, deputado federal por New Hampshire”
- David Bright é contatado por Ev Hillman, que tenta lhe dizer o que está acontecendo em Haven. Este é o mesmo repórter que havia entrevistado John Smith no romance A Zona Morta, e até o menciona.
“A perda de alguns dentes, no entanto, parecia um preço pequeno a pagar por uma história que talvez lhe conferisse o Prêmio Pulitzer… e, também muito importante, isso deixaria David Bright verde de inveja, sem a menor dúvida”.
Referências Narrativas
- A “Oficina” (ou “Loja”, como é referenciada neste livro) aparece no fim da história; há, ainda, uma referência a uma menina que foi levada para lá e pôs fogo em tudo, obviamente, referência ao romance A Incendiária.
“— Você é do Departamento de Defesa? — perguntou Tierney.
O piloto olhou inexpressivamente para ele, de trás dos óculos escuros.
— Da Loja”
- Rebecca Paulson encontra 190 dólares em seu quintal. O dinheiro é proveniente de um banco que explodiu em Derry, durante os eventos de IT – A Coisa.
- Em certo ponto da história, duas crianças veem o Pennywise, do livro IT – A Coisa, enquanto estão em Derry atrás de baterias. Em adição, Ev Hillman diz que ouviu vozes e risadas vindo de um bueiro em Derry.
“Tommy começara a ter alucinações; enquanto dirigia pela Rua Wentworth, julgou ver um palhaço sorrindo para ele, de um bueiro aberto de esgotos — um palhaço cujos olhos eram cintilantes dólares de prata e segurava balões de gás na mão enluvada de branco.”
- O livro menciona que Gard está sendo dirigido por seu “ka”, referência clara à saga A Torre Negra.
“Era como se quisessem comê-los com os olhos. Sugar-lhe a alma, o seu ka, o seu o que quer que quisessem chamar.”
- Durante uma festa, um enraivecido Gard menciona os perigos do uso da energia nuclear, mencionando o projeto “Ponta da Flecha”, que na noveleta “O Nevoeiro” (presente no livro Tripulação de Esqueletos) é responsável pela liberação de criaturas grotescas de outra dimensão, em nosso planeta. Entretanto, não fica claro se os projetos mencionados nas duas histórias são o mesmo.
“Seabrook tivera a sua época, e a instalação de Arrowhead, no Maine, também, mas desde que os juízes federais tinham começado a impor severas sentenças pelo que eles consideravam apenas agitação, as manifestações de protesto tinham declinado com rapidez.”
- Um dos personagens escuta uma rádio de Arnette, cidade do protagonista de A Dança da Morte.
“Seabrook tivera a sua época, e a instalação de Arrowhead, no Maine, também, mas desde que os juízes federais tinham começado a impor severas sentenças pelo que eles consideravam apenas agitação, as manifestações de protesto tinham declinado com rapidez.”
Assuntos Recorrentes
- O personagem principal é um escritor: Jim Gardener e Roberta Anderson são escritores, Jim de livros de poemas e Bobbi de romances de faroeste.