Mr. Mercedes

Ficha técnica
Título Original: Mr. Mercedes
Título Traduzido: Mr. Mercedes
Ano de Publicação: 2014
Páginas: 400 (Edição de 2016 – Editora Suma)
Data de Publicação nos EUA: 03/06/2014
Personagens: Bill Hodges, Brady Hartsfield, Jerome Robinson, Holly Gibney, Peter Huntley
Conexões: Doutor Sono
Personagens Citados: –
Disponível no Brasil pelas Editoras: Suma de Letras (2016)
Sobre o livro
Um detetive de polícia bem sucedido é provocado via carta, seis meses após se aposentar, por um sádico criminoso foragido responsável por atropelar e matar uma multidão de pessoas com uma Mercedes-Benz anos antes; caso, este, que ele nunca conseguiu solucionar. Com o “Sr. Mercedes” de volta para atormentá-lo, resta ao detetive sair de sua aposentadoria e tentar resolver um dos poucos casos abertos de toda sua carreira, antes que o assassino volte a atacar… e em proporções bem maiores.
Resenha
Mr. Mercedes, primeiro livro da trilogia de Bill Hodges, marca uma exploração do mal e da obsessão de maneira diferente das típicas abordagens sobrenaturais de Stephen King. Ao invés de recorrer ao terror fantástico, King nos apresenta uma história de suspense psicológico e crime, colocando em cena o embate entre um detetive aposentado e um criminoso insidioso. A história é uma reflexão sobre os demônios internos e a maneira como as escolhas e os erros moldam a vida, com metáforas, analogias e símbolos que se entrelaçam de maneira sutil, mas poderosa.
O enredo gira em torno de Bill Hodges, um detetive aposentado que, após uma tentativa de suicídio, encontra um novo propósito ao investigar um caso não resolvido: um atentado terrorista cometido por um homem conhecido apenas como “Mr. Mercedes”. O assassino, Brady Hartsfield, é um personagem perturbador que representa o mal no seu estado mais calculista e sem emoção. A figura de Brady funciona como uma metáfora para a despersonalização do mal moderno: um homem comum que se esconde atrás de uma máscara de normalidade enquanto planeja destruição. Sua frieza, bem como a incapacidade de sentir remorso ou arrependimento, é uma crítica às figuras de autoridade invisíveis no mundo contemporâneo — aqueles que operam sem se importar com as vidas que destróem, como executivos ou figuras poderosas que não enfrentam as consequências de seus atos.
A busca de Bill por Brady também é um reflexo da busca pela redenção. No início do romance, Bill está imerso em uma vida de tédio e desesperança, resultado de sua aposentadoria e da falta de um propósito significativo. A investigação e sua crescente obsessão por capturar Brady são uma forma de reverter sua própria perda de identidade, e, ao mesmo tempo, uma maneira de dar algum significado a uma vida que parece não ter mais rumo. Sua luta interna reflete o mal-estar existencial de muitos indivíduos que, após um grande trauma ou mudança, buscam se redescobrir através da ação. O confronto de Bill com Brady é, portanto, tanto uma batalha externa quanto interna, uma luta entre o bem e o mal, mas também entre a renovação e a decadência pessoal.
O próprio conceito de “Mr. Mercedes” é uma analogia para a frieza e a mecânica do mal. A escolha do carro como arma de destruição — um Mercedes-Benz — é carregada de simbolismo. O carro é o símbolo da mobilidade, da liberdade, e no entanto, nas mãos de Brady, se torna um veículo da morte, onde a liberdade é transformada em escravidão e destruição. Essa ideia de liberdade corrompida é uma metáfora para a maneira como as sociedades modernas, muitas vezes, tratam a violência e a indiferença como algo banal, algo que pode ser “dirigido” sem qualquer sentido de responsabilidade.
Brady, como vilão, é uma encarnação do mal que não precisa de justificação psicológica ou histórica para suas ações. A profundidade do personagem está na sua falta de humanidade, o que faz dele uma representação do mal sem raízes. Sua desconexão das emoções humanas torna a narrativa ainda mais assustadora, já que ele não possui o mesmo tipo de motivação comum a outros antagonistas de King, que geralmente têm algum tipo de história ou sofrimento para justificar suas ações. Ele é puro egoísmo e caos, movido pela necessidade de controle e poder, sem qualquer apego à moralidade ou empatia.
Além disso, o tema da obsessão está presente de forma marcante, especialmente através da relação entre Bill e Brady. A maneira como Bill se envolve profundamente no caso e como Brady, por sua vez, observa e persegue seus alvos, revela como o desejo de poder e controle pode consumir as pessoas. A obsessão é um símbolo central na obra: enquanto Bill se apega à ideia de capturar Brady como forma de autoafirmação, Brady se alimenta da obsessão de controlar a vida e a morte de outros. Essa dinâmica reflete uma verdade mais ampla sobre como as obsessões podem distorcer a percepção de realidade e consumir as pessoas de dentro para fora.
King também utiliza personagens secundários de forma a contrastar com a escuridão de Brady e a busca desesperada de Bill. Jerome, o jovem amigo de Bill, e Holly, a mulher excêntrica que se junta à investigação, não são apenas alívios cômicos, mas também símbolos da humanidade que se opõe ao mal representado por Brady. Jerome, com sua inteligência e maturidade, e Holly, com sua complexidade emocional e psicológica, funcionam como contrapesos à frieza de Brady, destacando como as boas pessoas, mesmo com suas falhas, ainda buscam a verdade e a justiça.
Mr. Mercedes também se destaca na maneira como King lida com a violência. A brutalidade de Brady é algo aterrador não apenas pela forma como ele age, mas também pelo fato de que ele está, de alguma forma, refletindo as consequências de um mundo cada vez mais impessoal e dominado pela tecnologia. A violência, aqui, é uma forma de solidão extrema e desesperada, onde a busca por notoriedade ou por um propósito em meio ao vazio se transforma em um desejo de destruição.
A tensão crescente e os momentos de pura ação contrastam com os elementos psicológicos mais profundos da obra, criando uma história que é tanto um thriller de mistério quanto uma meditação sobre os limites da moralidade, a obsessão humana e a natureza do mal. A estrutura narrativa, com suas alternâncias entre os pontos de vista de Bill e Brady, e a evolução da relação entre os dois, reforça o simbolismo do conflito entre a luz e a escuridão, entre o desejo de redenção e o impulso para a destruição. No final, Mr. Mercedes se revela não apenas uma obra de suspense, mas também uma análise aguda das forças sombrias que habitam a psique humana.
Curiosidades
- Romance anunciado em dezembro de 2012, durante sua palestra na Universidade de Lowell, em Massachusetts. King disse que o manuscrito de Mercedesjá estava 3/4 finalizado (possuindo mais de 500 páginas) e que ele esperava terminar de escrever a história antes do fim de 2012.
- A inspiração para escrever o romance veio a King por meio de uma reportagem local da Carolina do Sul, que ele assistiu na televisão de um pequeno hotel, sobre uma moça que havia arranjado uma briga com a amante de seu marido no estacionamento de uma McDonald’s, e acabou atropelando algumas pessoas (e matando duas) ao tentar fugir.
- No dia 10 de junho de 2014, King anunciou, via twitter, que Mercedesé apenas o primeiro capítulo de uma trilogia. O segundo livro, intitulado Finders Keepers, será lançado em 2015. O romance que fechará a trilogia sairá em 2016.
Referências Culturais
- Próximo ao fim do livro, um personagem aparece usando uma camiseta de Judas Coyne. Coyne foi o roqueiro protagonista do livro A Estrada da Noite (Heart-Shaped Box), escrito por Joe Hill, o filho de King.
Referências de Personagens
- Brady Hartsfield usa um rosto sorridente como sua marca registrada, assim como Randall Flagg.
Referências Narrativas
- Para se comunicar com o Detetive Hodges, o Sr. Mercedes convida-o a entrar em um site chamado “Under Debbie’s Blue Umbrella” sob o login de “kermitfrog19”. Kermit é o primeiro nome do detetive, mas também uma referência ao Kermit, the Frog – o conhecido Sapo Caco da turma dos Muppets. Já o 19 é o número místico que vive aparecendo nas obras de King, principalmente na série A Torre Negra.
- Ao assassinar suas vítimas no começo do livro, o Sr. Mercedes está usando uma máscara assustadora de um palhaço que muito lembra o palhaço Pennywise, do romance IT: A Coisa. Também há uma referência sutil à minissérie “IT: Uma Obra-Prima do Medo” num diálogo entre os personagens. Nesta mesma conversa, Pennywise é mencionado.
- A boy band fictícia “Round Here” (uma provável paródia da One Direction), citada em Doutor Sonocomo a banda favorita da menina Abra, faz uma aparição neste livro.
- Em certo ponto do livro, há um flashback onde se narra que a polícia havia cercado a Mercedes usada pelo assassino “como se esperassem que ela criasse vida própria e tentasse fugir, como naquele filme de terror sobre o Plymouth”. Trata-se de uma referência a Christine (ou pelo menos à adaptação do romance).