Jogo Perigoso

Ficha técnica
Título Original: Gerald’s Game
Título Traduzido: Jogo Perigoso (1995)
Ano de Publicação: 1992
Páginas: 335 (Edição de 2013 – Editora Suma)
Data de Publicação nos EUA: 08/05/1992
Personagens: Jessica Burlingame, Gerald Burlingame, Ruth Neary, Tom Mahout, Sally Mahout
Conexões: Eclipse Total; Trocas Macabras
Personagens Citados: Dolores Claiborne, Alan Pangborn, Norris Ridgewick
Adaptação: Jogo Perigoso (2017)
Disponível no Brasil pelas Editoras: Objetiva (1995), Objetiva (2000), Planeta DeAgostini (2004), Ponto de Leitura (2012), Editora Suma (2013)
Sobre o livro
Jessie está numa tremenda encrenca: durante um dos joguinhos sexuais de seu marido Gerald, em sua casa do lago isolada, ela acaba matando-o acidentalmente. E isso não é tudo. O tal “joguinho” consistia em deixá-la algemada à cama. O tempo está passando e obstáculos como sede, vontades fisiológicas e traumas de infância vão pôr à prova não apenas sua sanidade, mas também sua vontade de sobreviver. Conseguirá ela escapar e vencer seus traumas?
Resenha
Lançado em 1992, Jogo Perigoso é uma obra intimista e claustrofóbica que foge das narrativas sobrenaturais típicas de Stephen King para explorar o horror psicológico em sua forma mais visceral. A história de Jessie Burlingame, presa a uma cama em uma casa isolada após a morte repentina de seu marido durante um jogo sexual, transcende o thriller convencional para se tornar uma reflexão profunda sobre traumas, poder, memória e sobrevivência.
A trama começa com um casal, Gerald e Jessie Burlingame, tentando reacender sua vida sexual durante um feriado em uma casa de veraneio afastada. Gerald algema Jessie à cama como parte do jogo, mas morre subitamente de um ataque cardíaco. O que se segue é uma luta desesperada de Jessie para escapar, enquanto enfrenta não apenas os perigos físicos – como a fome, a sede e um cão faminto que invade a casa –, mas também os fantasmas de seu passado traumático.
Durante seu confinamento, Jessie confronta vozes internas que representam diferentes aspectos de sua psique e fragmentos de memórias suprimidas. Entre esses está o abuso sexual sofrido na infância por parte de seu pai, uma experiência que moldou sua vida e relacionamentos.
As algemas que prendem Jessie são mais do que um dispositivo narrativo; elas simbolizam as forças invisíveis que a mantiveram cativa durante toda a sua vida – desde o abuso na infância até as dinâmicas tóxicas de seu casamento. Libertar-se fisicamente das algemas reflete o esforço de Jessie para se libertar emocional e psicologicamente das amarras do passado.
A memória do eclipse solar, que serve como pano de fundo para o abuso de infância, é uma metáfora poderosa para o apagamento e a ocultação da verdade. Durante o eclipse, o mundo físico é envolto em escuridão, espelhando a sombra emocional que obscurece as memórias traumáticas de Jessie.
O cão faminto que começa a devorar o cadáver de Gerald simboliza a brutalidade do instinto de sobrevivência e o colapso das convenções humanas diante da morte. Sua presença constante é uma lembrança do perigo real e imediato, em contraste com os perigos psicológicos que assombram Jessie.
O “Homem da Lua”, uma figura misteriosa e aparentemente sobrenatural que aparece na casa durante a noite, representa o medo primal e a incerteza. Ele é, ao mesmo tempo, uma alucinação alimentada pela mente debilitada de Jessie e uma figura real de ameaça (posteriormente revelado como um assassino). Sua ambiguidade reforça o tema da dificuldade em distinguir realidade de imaginação em momentos de trauma extremo.
As diferentes vozes que falam com Jessie enquanto ela está presa representam facetas de sua personalidade e experiências passadas. Elas simbolizam o processo de autoconfrontação necessário para integrar os aspectos fragmentados de sua psique e alcançar a cura.
No cerne do romance está a jornada de Jessie para recuperar sua força e autonomia. A narrativa subverte a ideia tradicional de uma “dama em perigo” ao mostrar uma protagonista que, apesar das adversidades, encontra dentro de si os recursos necessários para sobreviver e superar traumas profundamente enraizados.
King aborda de forma sensível, mas brutal, a maneira como o trauma infantil pode moldar a vida adulta. O abuso sofrido por Jessie é tratado não como um elemento sensacionalista, mas como uma parte central de sua luta para se libertar – tanto física quanto psicologicamente.
A necessidade de Jessie de confrontar suas memórias reprimidas é paralela à sua luta física para escapar. A narrativa sugere que a cura exige não apenas a fuga de circunstâncias opressivas, mas também o enfrentamento direto das verdades dolorosas que moldaram nossa identidade.
O isolamento de Jessie, a invasão do cão e a figura do Homem da Lua destacam como, em situações extremas, as camadas da civilização podem se desintegrar, deixando apenas o instinto de sobrevivência.
Diferentemente de outras obras de King, Jogo Perigoso tem um foco intensamente introspectivo. Grande parte da narrativa ocorre dentro da mente de Jessie, permitindo que o leitor mergulhe em suas emoções, pensamentos e memórias. A escrita é detalhada, com descrições vívidas que amplificam o desconforto físico e emocional da protagonista.
A escolha de uma única locação – o quarto em que Jessie está presa – aumenta a tensão claustrofóbica, enquanto os flashbacks e as interações com suas vozes internas trazem profundidade à história.
Jogo Perigoso está intimamente ligado a Dolores Claiborne, outro romance de King lançado no mesmo ano. As duas histórias compartilham o tema do abuso e da força feminina, e o evento do eclipse solar conecta ambas as narrativas, sugerindo que os traumas das protagonistas são diferentes manifestações de uma mesma sombra psicológica.
Além disso, a figura do Homem da Lua ecoa outros antagonistas ambíguos de King, como Pennywise em It: A Coisa, que combinam ameaças físicas e psicológicas.
King demonstra uma habilidade impressionante para explorar as complexidades do trauma sem recorrer a simplificações. A jornada de Jessie é dolorosamente real, e sua eventual libertação – tanto das algemas quanto de suas memórias reprimidas – é apresentada como um processo árduo e contínuo, em vez de uma resolução fácil.
Embora não tenha os elementos sobrenaturais típicos de King, Jogo Perigoso é profundamente aterrorizante porque lida com horrores que poderiam acontecer em qualquer lugar. A história mostra que os medos mais profundos nem sempre vêm de monstros ou fantasmas, mas das pessoas ao nosso redor e das partes de nós mesmos que preferimos ignorar.
Jogo Perigoso é uma obra ousada e perturbadora que se destaca no vasto catálogo de Stephen King por sua abordagem focada no horror psicológico e nos temas de superação pessoal. Com uma narrativa tensa e introspectiva, o livro desafia o leitor a confrontar questões difíceis sobre poder, trauma e sobrevivência.
Mais do que uma história de terror, o romance é um testemunho do poder da resiliência humana e da necessidade de enfrentar nossos medos – mesmo os mais sombrios – para encontrar a liberdade. Em Jogo Perigoso, Stephen King prova, mais uma vez, que o verdadeiro horror muitas vezes reside dentro de nós mesmos.
Curiosidades
- No filme Pânico na Floresta, a protagonista se chama Jessie Burlingame.
- Raymond Andrew Joubert, o assassino necrófilo deformado que aterroriza Jessie, tem o mesmo sobrenome do assassino real John Joubert, serial killer que viveu em Nebraska, nos anos 80.
- O Lago Kashwakamak, onde se passa a história presente de Jessie, foi relocalizado por Stephen King no Maine. O lago, na verdade, fica no Canadá.
Referências Locais
- O hospício Juniper Hill é mencionado, assim como em A Coisa, Trocas Macabras, Insônia e LOVE: A História de Lisey.
- Referências de personagens
- No fim do romance, Alan Pangborn e Norris Ridgewick são mencionados.
- Laurel Stevenson uma das passageiras do vôo 29 de Os Langoliers do livro Depois da Meia Noite, é brevemente mencionado durante a narrativa.
Referências Narrativas
- Tanto Jogo Perigoso quanto Eclipse Total foram planejados como uma única antologia intitulada “In The Path of the Eclipse” (No Caminho do Eclipse), já que ambas as histórias são ligadas.
- Quando Jessie está pensando em monstros e coisas da quais as crianças têm medo, ela se refere a elas como “It” (coisa).
- Jessie ouve uma voz em sua cabeça que ela chama de Miss Petrie, depois de sua professora da segunda série, porém Miss Petrie é mencionada pela primeira vez em A Longa Marcha, como a mestre de feitiços do distrito.
Assuntos Recorrentes
- O personagem principal da trama tem um cônjuge morto, Gerald morre no meio de um encontro sexual com sua esposa Jessie, e ela tem que lidar com as consequências.
- Menções e Referencias de Jogo Perigoso em outros livros
- Em LOVE: A História de Lisey, Lisey apelida os fãs do seu marido de “space cowboys”, apelido dado por Jessie ao cão Príncipe.