Celular

Ficha técnica
Título Original: Cell
Título Traduzido: Celular (2007 – Presente)
Ano de Publicação: 2006
Páginas: 397 (Edição de 2007 – Objetiva)
Data de Publicação nos EUA: 24/01/2006
Personagens: Clayton Riddell, Tom McCourt, Alice Maxwell, Charles Ardai, Ray Huizenga
Conexões: Saco de Ossos, A Coisa, O Cemitério, A Torre Negra
Personagens Citados: –
Adaptação: Cell: Chamada para a Morte (2016)
Disponível no Brasil pelas Editoras: Objetiva (2007), Editora Suma (2014, 2018)
Sobre o livro
Certo dia, um misterioso pulso eletrônico é emanado por todos os celulares da face da terra, afetando a todos que falavam no aparelho e transformando-os em criaturas cujas racionalidades são completamente obliteradas. Os “zumbis fonáticos” passam a dominar o mundo, mas os sobreviventes, que não falavam ao celular naquele dia, recusam-se a desaparecer sem lutar, e Clayton Ridell, que está separado de seu filho e esposa, decide partir numa jornada atrás de sua família, juntamente com a menina Alice e seu amigo Tom.
Resenha
Celular, de Stephen King, é uma incursão no apocalipse moderno, misturando a paranoia tecnológica com o terror visceral de uma civilização que colapsa diante de sua própria criação. Publicado em 2006, o livro apresenta um evento conhecido como “O Pulso”, uma misteriosa transmissão enviada através de celulares que transforma os usuários em criaturas violentas e irracionais, evocando diretamente o legado dos filmes de zumbis de George A. Romero. Mais do que um tributo ao gênero, Celular usa essa premissa para explorar temas profundos sobre a desumanização, a perda de identidade e a fragilidade das estruturas sociais diante da tecnologia descontrolada.
A narrativa acompanha Clay Riddell, um artista gráfico em busca de seu filho em um mundo desmoronando rapidamente após o Pulso. A jornada de Clay é, ao mesmo tempo, física e emocional, pois ele se vê confrontado não apenas com a violência brutal dos “phoners” (os infectados pelo Pulso), mas também com as mudanças em sua própria psique diante do colapso. Clay representa o indivíduo comum que luta para preservar sua humanidade em um ambiente que ameaça consumi-lo, funcionando como uma metáfora para a luta diária contra a alienação tecnológica.
O uso do celular como catalisador do apocalipse não é apenas uma escolha narrativa, mas também uma crítica incisiva. O dispositivo, símbolo máximo da conectividade moderna, é transformado em um veículo de desconexão e destruição. Essa inversão funciona como uma metáfora poderosa para a maneira como a tecnologia, projetada para aproximar as pessoas, pode muitas vezes isolá-las e desumanizá-las. King sugere que a dependência dos dispositivos tecnológicos não apenas ameaça nossa individualidade, mas também nossa capacidade de comunicação verdadeira e empática.
A transformação dos “phoners” em uma mente coletiva, com comportamento de colmeia, reflete a perda de identidade individual em prol de uma suposta eficiência coletiva. Este conceito ressoa com os temores contemporâneos sobre a homogeneização das massas e a crescente influência de algoritmos e redes sociais na formação de nossas identidades e decisões. A ideia de que o Pulso reprograma o cérebro humano evoca discussões sobre lavagem cerebral, doutrinação e a vulnerabilidade da mente às forças externas, sendo uma clara alusão ao medo de que a tecnologia possa assumir o controle de nossas vidas de maneira insidiosa.
A inspiração nos zumbis de George A. Romero é evidente não apenas na violência gráfica e no terror dos infectados, mas também na crítica social subjacente. Assim como Romero usou seus filmes para comentar sobre consumismo, racismo e outras questões sociais, King utiliza Celular para abordar a crescente dependência da tecnologia e o impacto dessa dependência nas interações humanas. Os “phoners” são versões modernas dos mortos-vivos de Romero, menos corpos reanimados e mais mentes obliteradas pela hiperconexão.
O contraste entre os “normais” (os não afetados pelo Pulso) e os “phoners” também levanta questões filosóficas sobre o que define a humanidade. À medida que os sobreviventes enfrentam dilemas morais e éticos para garantir sua própria sobrevivência, King questiona se a brutalidade necessária para enfrentar o apocalipse não os torna tão desumanizados quanto aqueles que foram transformados pelo Pulso. Essa dualidade reforça a ideia de que o verdadeiro horror muitas vezes reside na reação humana ao desastre, em vez do desastre em si.
O simbolismo do Pulso pode ser entendido como uma alegoria para a propagação de ideias perigosas e como elas podem infectar sociedades inteiras, eliminando o pensamento crítico e promovendo comportamentos destrutivos. Esse conceito se torna ainda mais relevante quando consideramos a velocidade com que informações — e desinformações — se espalham na era digital. King antecipa de forma assustadoramente presciente os debates contemporâneos sobre fake news, radicalização online e a influência de tecnologias aparentemente benignas em contextos catastróficos.
Embora Celular apresente momentos de ação intensos e imagens perturbadoras, ele também é, em sua essência, uma narrativa sobre sobrevivência emocional e esperança em meio ao caos. Clay e seus companheiros representam a luta para manter conexões humanas autênticas em um mundo onde tudo parece desmoronar. A busca de Clay por seu filho é o fio emocional que mantém a história coesa, oferecendo ao leitor uma âncora de humanidade em meio à destruição.
King também se vale de sua habilidade para criar cenas de terror psicológico, especialmente ao explorar a maneira como o Pulso não apenas destrói, mas também transforma. A evolução dos “phoners” de criaturas primitivas para um coletivo cada vez mais organizado e sinistro aumenta a sensação de ameaça, sugerindo que o caos inicial pode dar lugar a algo ainda mais terrível: uma nova ordem que elimina completamente o livre-arbítrio e a individualidade.
Apesar de sua recepção mista, Celular é uma obra subestimada que oferece uma reflexão profunda sobre a interação entre humanidade e tecnologia, ao mesmo tempo em que presta homenagem às raízes do horror zumbi. É um alerta sombrio sobre os perigos de uma confiança cega no progresso tecnológico, mostrando como aquilo que nos conecta também pode ser o que nos destrói. Com sua mistura de horror visceral e crítica social, King reafirma sua posição como um contador de histórias que compreende as ansiedades e os medos de seu tempo, oferecendo uma narrativa que é tanto uma celebração do gênero quanto um comentário incisivo sobre a condição humana.
Curiosidades
- Um “papel” no livro foi oferecido ao vencedor de um leilão de caridade promovido pelo eBay e por Stephen King. Autores como Peter Straub participaram do leilão, mais provavelmente para doar do que para ter seu nome na história. O evento ocorreu entre 8 e 18 de setembro de 2005. Uma mulher de Ft. Lauderdale, chamada Pam Alexander, foi a ganhadora ao pagar mais de 20 mil dólares. A Sra. Alexander passou a honra de ter seu nome na história para seu irmão: Ray Huizenga.
- O nome Charles Ardai foi concedido a um dos personagens em homenagem ao editor que publicou The Colorado Kid.
- O conceito de um sinal de áudio destruindo a mente das pessoas foi inspirado pelo romance Snow Crash, de Neal Stephenson. O personagem Jordan se refere a este autor como um “deus”.
- “The Raggedy Man” (O Homem Esfrangalhado) é o nome de um poema do poeta americano James Whitcomb Riley.
- O livro é dedicado a George Romero e Richard Matheson. Romero dirigiu as adaptações Creepshow: Show de Horrores e A Metade Negra, além de ser famoso por seus filmes de zumbis, razão pela qual a história lhe é dedicada. Já Matheson, foi o autor de Eu Sou A Lenda, história de um sobrevivente num mundo devastado por uma epidemia, que é constantemente ameaçado por criaturas vampirescas e inteligentes.
Referências Locais
- Na história, Clay menciona o hospício de Juniper Hill, visto no romance A Coisa.
- A cidade de Kashwak é dita ser incorporada à região da TR-90, palco de Saco de Ossos.
Referências de Personagens
- Alice Maxwell é um duplo de Alice da A Torre Negra – Volume I: O Pistoleiro. Isso fica imediatamente claro quando Alice em Celular foi atingida no rosto com um bloco de concreto; Alice na Torre Negra tem uma cicatriz misteriosa sobre seu olho esquerdo no mesmo local.
- “Dark Wanderer” (Viajante Escuro), o gibi que Clay cria e tenta vender, é sobre caubóis num mundo pós-apocalíptico, sendo que o herói do gibi se chama Ray Damon, que compartilha das iniciais de Roland Deschain (artifício usado por King com Randall Flagg também).
- Há também sempre algum sinal que liga os vilões das histórias de King à saga… neste, o Homem Esfrangalhado veste uma roupagem vermelha (que reflete as muitas formas do Rei Rubro); Ainda sobre o mesmo personagem, sua roupa é da faculdade de Harvard, e tanto os times esportivos quanto o jornal desta faculdade são chamados de “Crimson”, outra alusão ao Rei Rubro (Crimson King).
Referências Narrativas
- O número 19 (O número de telefone 207-919-9811 soma 9-19-19. O avião que cai em Boston Common tem o número de cauda LN6409B e ambas as letras e números somam 19. Há um sinal de leitura ” Gaiten Academy est 1846, todas são menções ao número 19, numero místico da série A Torre Negra.
- Charlie, Choo Choo (em Celular), um brinquedo, porém em A Torre Negra – Volume III:Terras Devastadas, é um livro infantil.
- A história menciona os índios Micmac várias vezes. São deles o cemitério amaldiçoado no romance O Cemitério. Curiosamente, a pessoa que lá é enterrada, volta ao mundo dos vivos com um semblante similar aos “fonáticos”.
O livro faz referência ao “panic-rat” (rato do pânico), a sensação de pânico devorando a mente de Clay, protagonista da história. A mesma sensação é mencionada em Jogo Perigoso, quando algemada à cama, a protagonista Jessie Burlingame tem um “panic-bug” (inseto do pânico).
Assuntos Recorrentes
- Um dos personagens principais é um escritor, Clay Riddell é um escritor esforçado que acaba de ter sorte em um negócio de graphic novel quando The Pulse é acionado e todos ao seu redor se transformam em maníacos sanguinários.
Menções e Referências em Outros Livros
- A horta do diretor da Academia Gaiten é chamada de “Jardim da Vitória”, nome dado também à horta do Lar Hetton, no romance Blaze. Era comum dar tal nome durante a Segunda Guerra Mundial. As pessoas plantavam para não ter que gastar dinheiro, poupando para suprimentos de guerra.