Buick 8

Ficha técnica
Título Original: From a Buick 8
Título Traduzido: Buick 8 (2003 – Presente)
Ano de Publicação: 2002
Páginas: 360 (Edição de 2013 – Editora Suma)
Data de Publicação nos EUA: 24/09/2002
Personagens: Curtis Wilcox, Ned Wilcox, Sandy Dearborn, Brian Lippy, Matt Babicki
Conexões: Hearts in Atlantis; A Torre Negra
Personagens Citados: –
Disponível no Brasil pelas Editoras: Objetiva (2003; 2007); Planeta DeAgostini (2004); Ponto de Leitura (2013); Editora Suma (2013)
Sobre o livro
Ned Wilcox adora visitar a Tropa D, comandada por Sandy, antigo amigo de seu pai, Curtis, morto em serviço. Ned acaba descobrindo que um dos galpões da Tropa D esconde um segredo: um Buick 8 azulado que foi abandonado e se tornou obsessão de Curtis. Anos depois, Sandy resolve contar a Ned a história do Buick, e o rapaz começa a ficar tão obcecado pelo carro quanto seu pai foi. Mas logo, os habitantes da Tropa D terão de enfrentar as ameças bizarras que o Buick 8 jogará em nosso mundo uma última vez.
Resenha
Buick 8 é uma obra de Stephen King que explora o mistério e o horror de maneira contida, quase meditativa, revelando-se menos como uma narrativa convencional e mais como uma reflexão sobre o desconhecido e o impacto que ele exerce sobre os indivíduos que o testemunham. A história, situada em uma pequena delegacia estadual na Pensilvânia, gira em torno de um carro enigmático, um Buick Roadmaster, que parece ser uma porta para outra dimensão. No entanto, o enredo serve apenas como superfície para um estudo mais profundo sobre a curiosidade humana, a mortalidade e o confronto com forças além da compreensão.
O Buick é, em si, uma metáfora poderosa para o desconhecido. Ele não é apenas um objeto, mas um símbolo daquilo que desafia explicação, uma presença que provoca fascínio e repulsa simultaneamente. A maneira como os policiais da Troop D lidam com o Buick reflete diferentes abordagens ao mistério: alguns tentam entendê-lo, enquanto outros aceitam sua presença como uma constante inexplicável da vida. Essa dualidade é um comentário sobre a natureza humana — a necessidade de explorar o inexplicável, mesmo quando isso não leva a respostas definitivas, e a capacidade de coexistir com o mistério quando as respostas estão fora de alcance.
O Buick também é um eco direto das temáticas lovecraftianas, e a influência de H.P. Lovecraft é inegável em Buick 8. Assim como nos contos de Lovecraft, a obra de King apresenta uma força alienígena e indiferente ao sofrimento humano. O Buick não tem intenção nem propósito aparente; ele apenas existe, evocando a insignificância da humanidade diante de vastas forças cósmicas. A comparação com Lovecraft é ainda mais evidente nos elementos de horror espacial e nas criaturas bizarras que aparecem quando o Buick libera energia, sugerindo uma conexão com dimensões ou mundos que escapam ao entendimento humano. No entanto, King difere de Lovecraft ao focar menos no medo paralisante do desconhecido e mais nas relações humanas e na forma como essas experiências moldam aqueles que as vivenciam.
A estrutura narrativa, com seu uso de flashbacks e múltiplas perspectivas, reflete a maneira como a memória e a história são construídas coletivamente. Cada membro da Troop D contribui com um fragmento da história do Buick, criando um mosaico de experiências que destaca não apenas o mistério em si, mas também as reações humanas a ele. Essa abordagem sublinha o tema de que o desconhecido não é apenas um fenômeno isolado, mas algo que se entrelaça com a vida de todos que entram em contato com ele.
O jovem Ned Wilcox, cujo pai, Curt, foi uma figura central na história do Buick, serve como o ponto de entrada emocional para o leitor. A curiosidade de Ned sobre o carro, impulsionada pela morte de seu pai, reflete o desejo humano de encontrar significado em tragédias pessoais e de compreender o que nos é legado. O Buick torna-se, para Ned, um símbolo da complexidade do legado paterno — um misto de admiração, mistério e inevitável aceitação das coisas que jamais poderão ser explicadas.
Outro aspecto significativo da obra é a ideia de que nem todo mistério precisa ser resolvido. Enquanto muitos romances de King culminam em uma revelação ou confronto com o desconhecido, Buick 8 desafia as expectativas ao se recusar a fornecer respostas definitivas. O carro não é desvendado; suas origens e propósito permanecem ocultos, assim como a natureza de muitos eventos inexplicáveis na vida real. Esse vazio narrativo não é uma falha, mas uma escolha estilística que reforça a ideia central de que o mistério é uma parte intrínseca da experiência humana.
A ambientação na delegacia e o foco na camaradagem entre os policiais também adicionam uma camada de realismo à história. A rotina do trabalho policial, contrastada com o surrealismo do Buick, cria uma tensão que permeia todo o romance. Essa dualidade — entre o cotidiano e o fantástico — é uma marca registrada de King, mas em Buick 8, ela assume uma dimensão mais contemplativa, com menos foco no horror explícito e mais na inquietação provocada pela incerteza.
Há, ainda, uma dimensão filosófica que atravessa o livro. A maneira como os personagens lidam com o Buick reflete a luta humana para encontrar ordem em um universo caótico. O carro é, em última análise, um lembrete da fragilidade e da finitude da compreensão humana, uma representação de que o universo é vasto, estranho e, muitas vezes, indiferente. Essa mensagem ressoa com o legado de Lovecraft, mas King a torna mais acessível e emocionalmente ressonante, focando no impacto pessoal e relacional desse confronto com o desconhecido.
Buick 8 não é um livro tradicional de terror. Ele exige paciência e uma disposição para mergulhar nos detalhes e nas nuances de um mistério que nunca é resolvido de forma satisfatória. Para alguns, isso pode ser frustrante; para outros, é precisamente esse senso de ambiguidade que torna a obra tão poderosa. King entrega uma história que não é apenas sobre um carro misterioso, mas sobre o que significa ser humano diante do insondável, sobre como enfrentamos os mistérios da vida e como continuamos a viver mesmo sem todas as respostas.
Curiosidades
- O título do livro provém da música “From a Buick 6“, de Bob Dylan.
- São claras as referências a H.P. Lovecraft, principalmente ao seu conto “Do Além“.
- A inspiração veio em 1999, quando, durante uma viagem ao oeste da Pensilvânia, King parou num posto de gasolina, e ao olhar em volta quase escorregou numa correnteza de rio.
Referências de Personagens
- Sandy Dearborn compartilha do mesmo sobrenome que Roland Deschain já usou. O Pistoleiro usa o nome Will Dearborn no livro A Torre Negra – Volume IV: Mago e Vidro .
Referências Narrativas
- O carro titular é um Buick Roadmaster de 1954. Se somando 1+9+5+4=19, menção ao número 19, número místico da série A Torre Negra.
- É subentendido que o Buick 8 é o mesmo tipo de carro usado pelos Homens Baixos em Casacos Amarelos (Low Men in Yellow Coats), antagonistas da série A Torre Negra, e do livro Hearts in Atlantis.
- As criaturas que surgem do Buick são muito parecidas com as da noveleta ”O Nevoeiro”, do livro Tripulação de Esqueletos.
Assuntos Recorrentes
- Evidência de que a realidade é fina, o carro age como um portal para outra realidade.