Resenha: “A Duna” (Conto publicado na Revista Granta)

No mês passado recebi da Editora Alfaguara, (do grupo “Prisma Edições”, do qual também faz parte a Editora Suma, responsável pela publicação do material do Sr. Stephen King aqui no Brasil) a décima edição da revista literária Granta em português (e aqui deixo os meus mais sinceros agradecimentos à Halime, que me enviou o exemplar), com uma coletânea de contos e obras bem interessantes, entre elas uma história de S.K até então inédita no Brasil, intitulada de “A Duna”…

O conto (uma história curta – mas igualmente impactante – com cerca de pouco mais de 14 páginas, publicada originalmente na Granta 117, especial Horror) narra a história do Juiz Harvey L. Beecher, um nonagenário que possui uma estreita ligação com um pedaço de terra em particular, localizado numa ilhota no litoral do Golfo da Florida. Uma Duna que ele descobriu quando ainda era jovem e que, devido a uma característica marcante (e por que não dizer, peculiar!?, mas que ainda assim manterei em segredo para não presentear você, fiel frequentador do stephenking.com.br, com spoilers desnecessários) ele decide permanecer visitando-a ao longo de praticamente todos os seus noventa anos de vida.

Assim como muitas coisas em sua vida, Beecher decide manter A Duna em segredo, até o dia em que se propõe a registrar oficialmente o seu testamento, após completar seus noventa anos de vida. Para isso ele solicita o auxilio do seu advogado Anthony Wayland. Após terminados os preparativos legais que oficializaram quem serão os herdeiros de Beecher o ancião decide contar sua história e os detalhes misteriosos que a envolvem para o atencioso (e curioso) advogado.

“A Duna” é, como já foi citado anteriormente, um conto curto e grosso. Seus paragráfos iniciais fazem com que nos lembremos vagamente de Stella Flanders de “The Reach” (publicado no Brasil com o título de “O Braço do mar” na coletânea “Tripulação de esqueletos”. Mais detalhes aqui), só que no sentido inverso. Enquanto Stella está se desvencilhando da ilhota, Beecher (que possui certa fascinação inconsciente pela sua) está constantemente voltando. Fascinação, a propósito, é outro dos temas recorrentes nas obras de King (como não lembrar de Jack Torrance e seu vício pela bebida? ou de Anne Wilkes e sua fascinação inconsequente por Paul Sheldon?) que também é abordado neste conto, de maneira direta, porém bastante cruel e eficaz.

Diferente de muitas de suas obras (e até mesmo devido à própria característica estilística do conto) aqui não nos deparamos com os desencontros e firulas literárias (o famoso “embromation”) com os quais já estamos acostumados quando se trata de um livro do mestre do terror moderno (o que, é claro, não  minimiza ou descaracteriza a obra, muito pelo contrário). Quem já está familiarizado com os livros e contos do autor sabe que King assim o faz porque possui uma capacidade quase atemporal de sintetizar nossos mais obscuros pesadelos em palavras, construindo, ambientando a narrativa de maneira mais delicada e cuidadosa possível, preservando em grande parte dos seus livros um característico ar de verossimilhança, que, independente do quão improvável seja a temática (e isso inclui palhaços assassinos, criaturas de outro mundo, hotéis mal assombrados, crianças assassinas ou até mesmo carros e brinquedos que ganham vida), só tende a nos aproximar mais, como leitores, desse processo de imersão da obra. Em “Duna”, apesar de boa parte dessas caracteristicas não aparecerem de forma explicita – graças, em grande parte, ao pouco espaço que exige um conto – elas estão lá, ainda que de maneira bastante implícita e particular. Pormenores que sutilmente organizados (como, por exemplo, quando Beecher exige que Wayland se apresente o mais rápido possível para formalizar seu testamento ou como quando decide que um dos seus herdeiros seja a Sociedade de Preservação da Vida Selvagem e da Praia de Sarosota County… Detalhes que só possuem sua devida importância compreendida com o termino da leitura) nos deixam a par do futuro – e consequentemente do final – para o qual a história invariavelmente caminha. Um final que, diga-se de passagem, foi um dos mais simples e bem elaborados que o Sr. King já escreveu. Direto e cruel, assim como boa parte de “A Duna”.

Sobre a “Revista Granta”: A Revista Literária Granta (o título foi inspirado no antigo nome do Rio Cam, que corta a cidade de Cambridge) foi fundada em 1889 por estudantes da Universidade de Cambridge, na Inglaterra. Em sua fase inicial publicava artigos sobre política e assuntos relacionados à universidade. Depois de passar por dificuldades financeiras, em 1979 foi relançada como revista destinada a jovens autores, se expandindo para fora dos muros da universidade, passando a abrigar escritores de renome como Doris Lessing, Ian McEwan, Gabriel García Márquez, Salman Rushdie, entre outros… Desde 2009 a Granta passa por um processo de internacionalização, quando teve início o lançamento de edições em Espanhol, Búlgaro, Norueguês, Sueco, Chinês e Português. No Brasil a revista é publicada em parceria com a Alfaguara, selo da Editora Objetiva (da qual também faz parte a Suma de Letras).

Além do conto de S.K a Granta em português vol 10 conta ainda com outros 13 textos inéditos (que incluem relatos, cartas, ensaios e contos de qualidade absolutamente inquestionável) no Brasil que fazem referência a situações-limite, levando os leitores ao extremo da loucura.

O volume inclui um ensaio de Roberto Bolaño e um conto de Evelio Rosero, considerado um dos grandes escritores colombianos da geração pós-García Marquez. Há ainda uma compilação de cartas de António Lobo Antunes destinadas a sua mulher, então grávida, durante a guerra em Angola. De autores brasileiros, há textos de Beatriz Bracher, Andréa del Fuego, Adriana Lisboa e Everardo Norões. A revista dispõe ainda do ensaio em cores com 13 fotos das esculturas do artista plástico mineiro Matheus Rocha Pitta, que prepara atualmente uma exposição para a Fondazione Volume!, em Roma.

Já publicado na edição inglesa de Granta sobre terror, Will Self, um dos finalistas do Booker Prize, escreve o relato “Sangue falso” em primeira pessoa. Nele, o escritor detalha o diagnóstico de Policitemia vera recebido durante a virada de 2010 para 2011. A estranha enfermidade gera o súbito aumento de glóbulos vermelhos no sangue, tornando-o mais grosso. Com franqueza desconcertante, o autor de Grandes símios rememora o abuso de drogas durante sua juventude, sem, no entanto, buscar justificativas para seus atos nem expiar qualquer culpa do passado.

Bem antes de tornar-se um dos mais célebres escritores de língua portuguesa, António Lobo Antunes participou do conflito colonial de Angola como médico do exército português entre 1970 e 1973. Durante o período, ele trocou uma série de cartas com sua então mulher, dentre as quais 12 foram selecionadas para essa edição. A correspondência flagra o autor em momentos de intimidade, discorrendo sobre o amor, a medicina, a literatura e a guerra. As mensagens fazem parte do livro D’este viver aqui neste papel descripto, organizado por suas filhas e publicado em Portugal em 2005.

Cultuado como o maior expoente da literatura latino-americana contemporânea, Roberto Bolaño tem o ensaio “Literatura + doença = doença”, extraído do livro El gaucho insufrible, publicado nessa edição. Em tom áspero, o chileno fala sobre o ato de escrever, a doença e a morte: “Escrever sobre a doença, principalmente se você estiver gravemente doente, pode ser um suplício. Escrever sobre a doença se você, além de estar gravemente doente, é hipocondríaco, é um ato de masoquismo ou de desespero. Mas também pode ser um ato libertador. Exercer, durante alguns minutos, a tirania da doença (…) é uma tentação, uma tentação diabólica, mas ainda uma tentação.”

Entre os brasileiros, a escritora Beatriz Bracher escreve um conto mimetizando um diário de uma mulher que viaja em busca de seu irmão a uma região de garimpo no Pará. Adriana Lisboa, que lançará romance pela Alfaguara em 2013, transita em “Aquele ano em Rishikesh” pela fronteira entre ilusão e realidade ao abordar o Alzheimer de uma idosa em meio a pensamentos confusos e desconexos com algum fundo de verdade.

Em “Sofia, o motorista e o cobrador”, Andréa del Fuego dá vida a um cobrador de ônibus quarentão e sem olfato que cria uma obsessão por Sofia, uma das passageiras. Fechando o time de escritores nacionais, o poeta cearense Everardo Norões, já traduzido para diversos idiomas, tem o conto “Na varanda, sobre o bulevar”, extraído de seu primeiro livro dedicado ao gênero, incluído nessa edição. O texto de tom onírico é forjado entre o exotismo de uma cultura estrangeira e repressora e de sensualidade latente.

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5 Responses

  1. Obrigado pela resenha!
    Este conto do King deve ser muito bom mesmo. Aliás. A revista inteira, pelo visto.
    Isso sim é presente de ano novo.

    Abraços
    Leon Nunes,
    escritor

    (p.s.: será que a Granta publica somente autores brasileiros conhecidos/renome do grande público?)

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