“The Mist”, série baseada no filme de 2007, que por sua vez foi baseado no conto homônimo de Stephen King, publicado originalmente no livro “Tripulação de Esqueletos”, estreou no dia 22 de Junho no canal Spike e já conta com quatro episódios exibidos, de uma lista de 9 programados para a primeira temporada. Na história, uma nevoa misteriosa envolve lentamente a cidade de Brigdton, no Maine. Não demora para que os moradores… da cidade descubram que de dentro dessa nevoa súbita brotam criaturas aterrorizantes que atacam e matam qualquer coisa viva que se mova.
A série possui uma pegada apenas levemente semelhante ao filme na qual é baseada. Ao invés de recontar a história principal, o criador da série, Christian Torpe, optou por contar histórias dos personagens secundários, criados especialmente para a série, que não aparecem nem no filme e nem no livro no qual o filme foi baseado. Entre eles temos Bryan Hunt (interpretado pelo ator Okezio Morro), um ex integrante do projeto “ponta de flecha” do exercito norte americano, que parece estar ligado diretamente aos fatos que desencadearam a chegada do nevoeiro em Brigdton. Logo no início do primeiro episodio Bryan acorda desorientado, ao lado de seu fiel cão de guarda, Rufus, no meio de uma floresta nas redondezas da cidade, enquanto um estranho nevoeiro se aproxima. Antes que ele pudesse fazer qualquer coisa, seu cão é atacado e morto, ao entrar no nevoeiro. Bryan foge e chega até a cidade, ainda desorientado, balbuciando algo sobre seu cão ter sido atacado no nevoeiro. Ele é detido temporariamente pela policial local, enquanto tenta avisar a todos do perigo que está se aproximando da cidade.
Paralelo a isso, temos a história da família Copeland, um casal que está com dificuldades de relacionamento com a filha, principalmente devido ao fato de sua mãe, Eve – que acabara de ser afastada do trabalho devido ao fato de ter ensinado, em uma aula de educação sexual, conteúdo que a escola considerara impróprio para os alunos – ser uma mãe super protetora. O pai, Kevin, acredita que a mãe protege demais a garota e acaba permitindo, escondido de Eve, que ela vá até uma festa da escola. Lá Alex é drogada e supostamente molestada por um dos rapazes do time de futebol da cidade, filho de um policial local.
Enquanto a história dos Copeland se desenrola, ficamos conhecendo um pouco mais sobre a misteriosa Mia (que nada mais é do que uma versão genérica do Barbie tão mal transporto para as telas em “Under the dome”), uma personagem envolta em mistério e que, ao que tudo indica, possui um passado bem turbulento. Basicamente são essas três linhas narrativas que compõem a primeira temporada da série.
A série, embora interessante, possui alguns defeitos que me incomodaram bastante (mas não ainda a ponto de desistir dela). Temos, é claro, a presença de alguns velhos clichês, como o garoto que cai justamente na hora em que está fugindo das criaturas (sempre aparece uma pedra no meio do caminho, nessas horas), as pessoas que desobedecem as ordens de “não vá lá no meio do nevoeiro” e acabam morrendo e até mesmo um drone que aparentemente tem o melhor controle remoto do mundo, com uma bateria tão potente que ignora as barreiras físicas de um shopping Center.
Embora o episódio piloto comece, de cara, com o nevoeiro surgindo (afinal, ele é o astro principal), ele possui um foco maior nos relacionamentos interpessoais dos personagens, nas tramas paralelas que deveriam, em tese, sustentar a série, o que foi um ponto positivo, até o momento do surgimento do próprio nevoeiro, na cidade. Tudo isso se perde e dá vazão ao nevoeiro, que meio que “rouba a cena” e as tramas paralelas acabam sendo colocadas de lado, em detrimento ao mistério principal da série. Essa quebra brusca demais na narrativa acaba atrapalhando um pouco o desenvolvimento dos próprios personagens. Adrian, melhor amigo de Alex, a filha dos Copeland, por exemplo, de tão “diferente” chega a ser caricato. O tipo de jovem que pinta as unhas de preto e está constantemente excluído socialmente e faz questão que sua sexualidade seja colocada em jogo, sofrendo, é claro, bullying por parte dos colegas de escola por isso. Tudo pouco explorado e tratado de maneira bem superficial.
Outro personagem muito mal construído é Kevin Copeland, pai de Alex. Ele simplesmente parece não possuir motivações concretas, não passa a sensação de se importar realmente com alguém na história. Isso se dá, em partes, graças a atuação ruim de Morgan Spector, mas também ao fato do próprio personagem ser, aparentemente, irrelevante para a história. A filha acabou de ser estuprada e ele parece não dar a mínima, quando a reação de qualquer pai seria espancar o indivíduo até a morte (ou pelo menos querer isso). O estupro de Alex, aliás, como acontece com a orientação sexual de Adrian, é tratado de maneira superficial e tem, pelo menos até o momento, pouca importância para a história, como se estivesse lá apenas para cumprir as cotas de assuntos polêmicos que devem ser tratados em séries de TV norte-americanas. Os produtores perderam uma ótima oportunidade de abordarem o assunto de maneira séria, suscitando um debate mais produtivo sobre o tema.
A personagem Alex, por sua vez, é tão sem sal quanto o pai e passa boa parte do tempo calada. O que poderia ser tido como um transtorno provocado pelos acontecimentos traumáticos recentes, apenas denuncia a fragilidade da história e a má interpretação dos atores principais. Ela não funciona bem nem como fator motivador da mãe e muito menos do pai, que no decorrer da série parece nem se lembrar que ela existe.
A série não possui um herói consistente (embora isso não seja necessariamente um pré-requisito para boas histórias), que cause empatia ou que se identifique com o publico a ponto de torcermos por ele, do mesmo modo como não possui um vilão que nos cause repulsa e que seja impactante, de alguma forma. Ironicamente, um dos personagens que mais desperta interesse é o militar Bryan, justamente por não sabermos nada de sua história e termos liberdade para imaginarmos o que aconteceu nos recantos obscuros do projeto ponta de flecha. Tudo isso parece ser culpa de um roteiro raso, que apresenta muitos mistérios, soluções fáceis e poucos ganchos realmente interessantes.
Mas nem tudo é ruim em “The Mist”. O nevoeiro, por exemplo, cumpre bem o seu papel, envolvendo a série com a carga de drama e mistério que se espera e que serve para sustentar, pelo menos por alguns episódios, a série. Efeitos especiais competentes e usados sem exagero e uma diversidade de personagens maior, principalmente se comparada ao filme, também foram pontos positivos. Nada de todo mundo trancado apenas no supermercado. Agora temos personagens espalhados por toda a cidade, em cadeias, shopping centers e igrejas, embora grande parte deles continue sendo mal explorada até o momento. O mistério envolvendo os soldados do projeto ponta de flecha pode render boas histórias, se for bem explorado nos episódios que faltam ir ao ar, ou mesmo em uma eventual segunda temporada.
Por parte da crítica especializada, The Mist foi recepcionado de maneira bem morna, conseguindo uma classificação mediada de 59% no rotten tomatoes. Os leitores fiéis de King já perceberam, logo no primeiro episódio, que a série só pega emprestado do autor a premissa básica da chegada do nevoeiro e a ideia do projeto ponta de flecha, já que todo o resto não tem absolutamente nada a ver, nem com o conto e nem com o filme no qual foi “baseado”. Apesar dos pesares, The Mist ainda vale as horas perdidas e consegue ser melhor do que “Under the Dome” e “Haven”, o que, convenhamos, não chega a ser necessariamente um elogio.
Lista de Episódios:
1: “Pilot”: 22 de Junho de 2017
2: “Withdrawal”: 29 de junho de 2017
3: “Show and Tell”: 6 de julho de 2017
4: “Pequod”: 13 de julho de 2017
5: “The Waiting Room”: 20 de julho de 2017
6: “The Devil You Know”: 27 de julho de 2017
7: “Over the River and Through the Woods”: 3 de agosto de 2017
8: “The Law of Nature”: 10 de agosto de 2017
9: “The Walking Dream”: 17 de agosto de 2017
Professor de Língua Portuguesa e Literatura, graduado em Letras pela UEG (Universidade Estadual de Goiás), pós-graduado em arte/educação pela UFG, viciado em literatura de terror/suspense, amante incondicional de séries e Hq´s e fã de carteirinha do mestre Stephen King desde 1996.
Uma resposta
Eu não li o conto ainda e nem vi o seriado, só o filme, mas sempre tive a seguinte dúvida: esse portal que abrem e saem essas criaturas, tem alguma coisa com os portais da Torre Negra? A Torre negra foca muito nos portais de Shardik e Maturim, mas sabemos que existem outros 4…