Ontem (11/07/2024) a inesquecível Shelley Duvall morreu aos 75 anos, por complicações de saúde causadas pela diabetes. A notícia foi anunciada pelo parceiro da atriz, Dan Gilroy.
“Minha querida, doce e maravilhosa parceira de vida e amiga nos deixou”
Dan Gilroy
Para nós fãs de Stephen King, Shelley Duvall se tornou inesquecível no papel de Wendy no clássico O Iluminado (The Shining) dirigido por Stanley Kubrick, porém Shelley Duvall teve diversos outros papéis de destaque desde 1970, quando iniciou sua carreira artística. Ela foi vencedora do prêmio de Melhor Atriz no Festival de Cannes pelo filme Três Mulheres, de 1977 e também foi duas vezes indicada ao Emmy. Outros trabalhos importantes foram Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (Annie Hall), Popeye (1980) e Shelley Duvall’s Bedtime Stories, do qual foi roteirista, diretora e produtora.
Com O Iluminado, Duvall se tornou um ícone no terror ao lado de Jack Nicholson mas o papel também se tornou um ponto polêmico em sua carreira em virtudes de declarações da atriz sobre a pressão que sentia ao trabalhar com Stanley Kubrick no set.
Devido a isso existe uma crença que permeia a internet de que nossa eterna Wendy teria ficado traumatizada após O Iluminado a ponto de isso prejudicar sua carreira e a notícia está sendo amplamente divulgada em reportagens após seu falecimento, mas isso não é verdade. Ela foi escalada por Kubrick porque ele gostou de sua atuação em 3 Mulheres (3 Women), de 1977.
Quando gravou O Iluminado, ela já era uma atriz experiente, com mais de 10 anos e sabia que estava fazendo um filme de terror. Ao entrar em contato com ela, Kubrick lhe enviou o livro de King para que ela pudesse ler, porque ele ainda não tinha o roteiro pronto. Shelley foi escalada em maio de 77 para viver a personagem Wendy Torrance e alguns meses depois, em outubro daquele mesmo ano, os dois se conheceriam no Grosvenor Hotel e segundo a própria Shelley, foi um experiência que ela gostou. Em uma entrevista concedida em 1979, ela disse o seguinte:
“Gostei do humor dele [de Kubrick]. Me senti muito bem na primeira semana de filmagem. Eu não estava nem um pouco nervosa. Eu estava muito animada com o início do filme.”
Shelley Duvall
Porém vários fatores acabaram por ser relevantes em relação ao stress que ela sofreu durante as filmagens. O seu namorado, na época, Paul Simon, terminou com ela no aeroporto, enquanto ela estava partindo para as gravações. As próprias filmagens duraram longos 13 meses, num processo cansativo, como a própria atriz admitiria posteriormente no documentário “The Making of The Shining”, mas que não necessariamente “arruinou sua carreira”, como alguns insistem em divulgar. Shelley elogiou continuamente o trabalho de Kubrick, durantes os anos que se seguiram à produção do filme:
“Que experiência. Aprendi muito com aquele homem [Kubrick]. Costumo parecer uma idiota quando falo sobre ele, mas fiquei muito impressionada”
Shelley Duvall – LA Times, maio de 1979.
“Se não fosse pela saraivada de ideias e pelas brigas, o resultado não teria sido tão bom quanto saiu. No final das contas sabíamos que era com o propósito de melhorar o desempenho. Não houve ressentimentos.”
Shelley em entrevista de 1979 com Leon Vitali
O ritmo no set de gravações de O Iluminado era, definitivamente, frenético e muito cansativo. Os atores trabalhavam seis dias por semana e até 16 horas por dia, mas isso não impedia que houvesse momentos divertidos entre os membros do elenco e o diretor. A própria Shelley adorava jogar xadrez com Kubrick.
Em uma entrevista ao The Hollywood Reporter, Shelley chegou a dizer que Kubrick foi muito caloroso e amigável com ela, passando muito tempo com ela e Jack Nicholson. Após a morte da atriz, o perfil oficial do cineasta Stanley Kubrick no Twitter publicou uma homenagem à artista após a notícia de sua morte.
“Shelley Duvall, lendária atriz e extraordinária Wendy Torrance de The Shining, morreu aos 75 anos. A carreira de Shelley foi diversa e longa. Apesar de ser perseguida por exageros em seu tratamento no set, Shelley sempre falou sobre sua experiência nas filmagens de O Iluminado dizendo que “não trocaria por nada” porque “trabalhar com o adorável Stanley foi uma experiência de aprendizado fascinante”. Nossos pensamentos estão com os amigos e familiares de Shelley”
Stanley Kubrick Profile (@StanleyKubrick) July 11, 2024
Shelley havia trabalhado, anteriormente, principalmente com Robert Altman, famoso por poucas tomadas e que eram frequentemente improvisadas por seus atores, por isso ela não estava acostumada com a maneira metódica e por vezes obsessiva de Kubrick de trabalhar, que exigia que as cenas fossem refilmadas, em muitos casos, exaustivamente. Existe uma lenda de que a cena da escada, em O Iluminado, por exemplo, teve 127 tomadas (algo parecido foi mencionado pela própria Duvall na década de 80), mas a notícia já foi desmentida, embora não se saiba ao certo a quantidade de vezes que a cena foi refeita.
É comum encontramos notícias dizendo que depois do filme, sua carreira nunca mais foi a mesma e que ela ficou traumatizada. Conforme podemos constatar, isso não é verdade. Shelley, que faleceu no último dia 11 de julho, foi uma profissional de extrema competência e teve uma carreira prolífica, como atriz e como produtora, nos anos 80 e 90.
Assim como todos, o que aconteceu com Shelley Duvall foi que ela envelheceu. Infelizmente ela teve alguns problemas relacionados à sua saúde mental, mas não há nenhum indício que eles tenham sido causados somente por sua atuação em O Iluminado ou por qualquer outro trabalho realizado por ela.
A doença mental de Shelley foi exposta em uma entrevista bastante sensacionalista, em 2016, concedida ao jornalista Phil McGraw do The Hollywood Reporter. Na entrevista, ela estava bastante indisposta e, entre alguns delírios apresentados durante a conversa, ela ainda acreditava que o ator Robin Williams estava vivo. Antes disso, dois eventos foram muito relevantes para a sua aposentadoria como atriz e para sua mudança para o Texas, um terremoto ocorrido em 1994, que destruiu sua casa em Los Angeles e o fato de seu irmão precisar lidar com um câncer na coluna.
“Eu posso lidar com furacões. Mas é extremamente assustador ver a terra se mover tanto. Sendo um texano, você sabe quando dar o fora de Dodge.”
Shelley Duvall – Houston Chronicle, 1994
Após o terremoto, Shelley e seu companheiro Dan se mudaram para uma pequena cidade no Texas em 1994 e durante os próximos 8 anos ela permaneceu atuando e produzindo, até se aposentar, oficialmente, em 2002. Seu último filme foi a comédia Manna From Heaven de 2002. Apesar da aposentadoria, em outubro de 2022 foi anunciado que ela fez uma participação especial em um filme de terror sobre lobisomens chamado The Forest Hills.
Em 2009 o tabloide sensacionalista The National Enquirer divulgou que Shelley Duvall estaria vivendo em uma pequena cabana em ruínas na cidade de Blanco. Segundo o tabloide, moradores e vizinhos locais afirmaram que ela podia ser vista andando a esmo pela cidade, despenteada e com sua senilidade afetada, acreditando que há um portal para outra dimensão no quintal de sua casa e que seu corpo era habitado por “estrangeiros”, além de viver recordando constantemente seu passado como atriz de sucesso. Não sabemos de onde raios essas informações foram tiradas, mas obviamente, nenhuma delas é verdadeira.
Sobre a morte de Shelley Duvall, nosso querido Stephen King escreveu em seu perfil no Twitter.
“Estou muito triste que Shelly Duvall faleceu. Uma atriz maravilhosa, talentosa e subutilizada.”
Stephen King
Shelly Duvall faleceu deixando um legado de uma profissional extremamente competente, que amava o que fazia e que tinha muitos ressentimentos com Hollywood, principalmente com relação à maneira como eles costumam tratar os atores que envelhecem, mas que nunca deixou de amar o que fazia. Que nossa eterna Wendy esteja em paz.
Engenheiro Civil formado pela Universidade Anhembi Morumbi, amante de Terror, Horror e Cultura Geek em geral. Leitor Fiel há uma década e aumentando.