doganlogo

Dogan: Termo normalmente usado para designar qualquer um dos centros de controle militar construídos pelo povo antigo, geralmente localizados em falhas no tempo-espaço contínuo.

  1. Uma estação experimental onde a magia e a tecnologia podem se fundir.
  • Do dicionário de termos ocultos do Mundo-Médio

A Culpa e a emoção são sentimentos traiçoeiros. Na melhor das hipóteses nos obrigam a enfrentar nossos próprios males, mas na maior parte das vezes se tornam um câncer, correndo nossos corações e nossas mentes. São as nuvens que cobrem nossa racionalidade, impedindo-nos de agir de forma diferente, a não ser guiados pelos impulsos. Trata-se de uma espada sobre a qual empalamos a nos mesmos, paralisando-nos, como um veneno correndo em nossas veias, transformando-nos em moscas aprisionadas em nossas próprias teias.

No final do grande festival da colheita, no ano em que a esposa de Arthur Eld, Rainha Rowena, deu a luz a uma criança-aranha, as pessoas do Mundo-Total caíram em uma teia de culpa. Apesar de seu rei ter derrotado os vagantes e mutantes, tornando as cidades e vilas sobre seu domínio seguras, e ainda que ele tenha prometido encontrar uma cura para o veneno dos povos antigos que intoxicou o ar, água e o solo, as pessoas tinham perdido a fé nele, assim como tinham perdido a fé nos grandes deuses antigos do mundo médio.

Pelos dez anos que se seguiram eles ergueram altares dedicados a Gan e aos Guardiões, Oriza e Seminon, Bessa, Buffalo Star e Gahter Dust. Durante quase uma década o povo do reino de Arthur Eld tinha sacrificado seus vizinhos, parentes e amigos, sobre o fogo da Árvore de Charyou, na vã esperança de que a terra envenenada voltasse a florescer novamente, mas no final as únicas coisas colhidas por eles foram os sentimentos de pesar e desespero. Uma vez mais os humanos haviam sido enganados pelo malvado mago Maerlyn. As fogueiras humanas do Mundo-Total não fizeram com que as terras voltassem a ser férteis, ao invés disso alimentaram a fome de carne dos demônio-aranhas do Primal, e a sopa primordial do caos que era uma ameaça constante nas extremidades do mundo dos humanos, começou a se espalhar. Estranhas criaturas, que eram meio animais, meio humanas assombraram os desertos, e os vagos mutantes voltaram para as cavernas abaixo das grandes montanhas. Sobre as últimas fronteiras do Mundo-Médio uma nova terra surgiu a partir das águas do Primal. As pessoas chamaram o lugar de Thunderclap (Terra do Trovão), e diziam que todos os piores pesadelos tornavam-se reais por lá. Alguns até comentavam que uma grande fortaleza havia sido construída para além daquelas terríveis terras, e de lá eles esperavam para atacar seguindo ordens do próprio Gan.

Se grandes muralhas estavam ou não sendo construídas na terra do trovão, ninguém sabia ao certo, mas isso era certamente verdade, já que eles haviam se dado ao trabalho de se infiltrarem entre seus inimigos humanos. Eles não tinham enganado a Rainha Rowena – Que era demasiadamente velha para carregar um filho de forma natural – fazendo-a carregar consigo uma monstruosidade que brotara da semente de Arthur Eld e dos óvulos da própria Rainha Aranha? Os guardas armados da Rainha Rowena tinham cortado as oito pernas levando a criatura a morte logo apos seu nascimento, mas não antes que ele sugasse sua mãe-hospedeira secando-a, deixando nada mais dela além de uma casca, coberta de cabelos e pele desidratada, frágil como gramíneas no outono.

Apesar de tudo, o rei ainda tinha um herdeiro homem – O Filho nascido de sua concubina, Emmanuelle Deschain – mas Emmanuelle entregou-se e foi queimada até a morte na Árvore de Charyou, sacrificada para os demônios de seu pai que morreu em batalha. Agora o jovem príncipe do Mundo-Total se tornara órfão, o rei era um viúvo, e as pessoas de seu reino haviam se degradado perante o grande deus Gan, o espírito vivo da Torre Negra. A consciência dos cidadãos do Mundo-Total foram manchadas pelo sangue da culpa. Durante um período de seis semanas apos o enterro do corpo da Rainha, Gilead manteve-se em luto. Os cortesões usavam preto, todos os espelhos estavam cobertos, e até mesmo os comerciantes usavam braçadeiras de tecido negro. Todas as festividades, danças e frivolidades foram temporariamente proibidas. O inverno veio frio e sombrio, mas as temperaturas congelantes, trazidas pelos ventos do norte, não eram nada se comparadas ao medo que todos sentiam perante a simples menção da criança-demônio gerada pela rainha Rowena.

Durante todo o inverno, uma escuridão intangível apossara-se de Gilead. Para aqueles obrigados a viverem sobre o seu peso opressivo, era como se um gigante maligno tivesse se apossado da cidade, esperando em cada rua e pátio, tentando decidir onde pisaria primeiro com seu enorme pé; ou como se uma tempestade invisível pairasse sobre suas cabeças, unindo-se a escuridão em um pressagio de que um furacão de enormes proporções estava a caminho.

Ele tinha a certeza de que a magia negra começava a agir, mas nenhum feiticeiro convocado pelo rei conseguiria combater suas origens ou seu propósito. Arthur Eld sentou-se varias vezes, preocupado, sobre seu trono e acordou outra tantas sobre sua cama com o mesmo sentimento. Às vezes, quando ele acordava a noite, sentia o aço do medo pressionando contra seu peito. “Em breve” – pensou consigo mesmo – “o vigor caótico do primal aumentará contra mim mais uma vez, e tudo o que lutei para construir será aniquilado.” Mas que forma este caos iria tomar, ele não sabia. E como ele poderia se preparar para combater um inimigo que, por enquanto, ainda nem tinha forma? Seus conselheiros, assumindo a probabilidade de um possível ataque, aconselharam-no a manter suas defesas em alerta. Porém, ele não suspeitava que as forças escuras do exterior tentariam algo muito mais sutil, o que no final acabou mostrando-se verdadeiro.

Da mesma forma que seu reino não poderia encontrar a redenção através do sangue derramado na Árvore de Charyou, Arthur Eld se sentira eternamente obrigado a suportar sua própria culpa em segredo. Arthur sabia muito bem porque razão sua pobre Rainha Morta havia feito um pacto com as forças escuras e porque ela o tinha enganado, dando a luz a um mostro. Ela sempre quis o seu amor, mas seu coração e sua alma pertenciam à outra. Arthur carregava consigo a culpa, e para ele era como se o próprio a tivesse matado, estrangulado-a com as próprias mãos. Assim, quando o fantasma da rainha começou a vagar pelas obscuras salas e quartos do castelo, ele assumiu plena responsabilidade pela agitação do seu espírito, e sequer questionou-se se a aparição que vagava pelo castelo era ou não realmente sua falecida esposa.

O primeiro a ver a Rainha em uma noite escura, foi um guarda que mantinha vigília no castelo. De acordo com a sua historia, se passara apenas uma hora de sua vigília, quando sentiu um terrível frio, começando pelos pés, passando-lhe pelo nariz e indo até os últimos fios de cabelo. Sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha, alojando-se na base de seu pescoço. Certo de que havia alguém atrás dele, ele virou-se. Assim ele viu a rainha: Parecia viva, mas estava transparente, como se seu corpo fosse feito pela luz da lua ou por pequenas tiras de vidro. Lagrimas escorriam sobre suas bochechas e em seus braços um montante sangrento enrolado em um pano tinha a forma aproximada de uma criança. Mas o horrível cadáver pressionado ao seu peito não era uma criança. Era uma criatura com oito pequenos cotocos que outrora haviam sido pernas. Era uma monstruosidade! Em choque o vigia tentou correr, mas quando o fez a rainha avançou. Ele levou a mão ao rosto, tentando se defender da assombração que ia ao seu encontro e que estava prestes a se chocar. Ao invés disso, ela passou através dele, deixando em seu corpo um rastro de frio que fogo algum poderia esquentar.

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A aparição seguinte foi presenciada por uma das camareiras da Rainha. A garota havia entrado nos aposentos para limpar a poeira, mas quando ela removeu o pano que cobria um dos espelhos, ornamentado de ouro, ao invés de ver seu próprio reflexo no vidro viu o rosto da rainha morta. O rosto da rainha parecia se contorcer em dor. Seus lábios manchados de sangue se moviam, e apesar dela não poder ouvir muito bem o que sua falecida patroa dizia, conseguiu decifrar claramente as palavras expulsas para fora de seu rosto pálido e sem vida. “Ajude-me”, sussurrou o fantasma da rainha, e em seguida foi embora.

Quando a noite chegava, A Rainha Fantasma permanecia vagando pelas salas do castelo, como se não soubesse que estava morta. Às vezes ela chorava, às vezes era imparcial, sem expressão, mas parecia sempre procurar as partes sangrentas de seu filho, que a guarda real havia abatido. Embora às vezes implorasse pela ajuda com os lábios, sua voz nunca foi realmente ouvida, e ela permaneceu aparecendo e desaparecendo, noite apos noites, sem qualquer aviso.

Perturbado pelo fato de que a paz fora negada ao espírito de sua mulher, e consequentemente a sua própria paz também, Arthur procurou os sacerdotes de S´Mana – eles curam os corações dos mortos – para ver se o espírito de sua falecida esposa finalmente descansaria em paz. Mas não importava quantas orações ou preces fossem oferecidas ao seu Deus, e não importava quantos sacrifícios ou rituais fossem realizados, a rainha continuou a chorar vagando pelo castelo, procurando os restos mortais de sua horrível criança.

Logo as aparições da rainha não se limitavam mais as fronteiras do castelo. Ela passou a aparecer nas casas, assim como na floresta vizinha. Então, um dia, enquanto Arthur Eld caçava veados na floresta, na esperança de aliviar a dor que parecia sugar-lhe a sanidade, ele alcançou uma clareira no meio das arvores, e ali, no centro da clareira, ele encontrou sua esposa. Na morte sua juventude havia sido devolvida. Seus cabelos longos já não carregavam mais um fio cinza sequer. Desciam-lhe pelas costas e sua pele parecia macia e clara, embora quase totalmente transparente. Seu vestido era da cor das folhas na primavera, mas nos braços o montante sangrento se destacava, com pequenos cotocos cabeludos surgindo por entre os panos, como um dedo delator. Apesar da distancia curta até seus cães de caça, ansiosos para capturar a aparição, e embora seus próprios cavaleiros viessem a galope se ele os chamasse, tanto Arthur quanto seu cavalo, Lllamrei, permaneceram parados. Era como se naquele local, o tempo tivesse simplesmente parado, apagado. “Talvez” – pensou Arthur – “Talvez essa seja a compensação na clareira no fim do caminho, e minha esposa tenha simplesmente estado a minha espera, para que possa me juntar a ela.” O Rei desmontou de seu cavalo e caiu de joelhos no chão, implorando perdão ao fantasma de sua falecida esposa. Mas Rowena sacudiu negativamente a cabeça, e movendo-se lentamente, desapareceu por debaixo do verde e dourado das sombras das árvores, e Arthur a seguiu.

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O caminho por onde viajava era um pelo qual Arthur jamais havia passado, e observando as paisagens peculiarmente estranhas foi que o Rei teve certeza que trilhava o caminho dos mortos. As árvores eram azuis, o céu tinha uma tonalidade de verde e o sol se deitava sobre sua cabeça como um grande olho rubro. Apesar da Rainha atravessar os obstáculos como se fosse água, o Rei hora ou outra tinha seu caminho obstruído por estranhos e coloridos arbustos.

Ignorando as armas em seu quadril, Arthur desembainhou sua espada e cortou os incômodos arbustos. Depois de podar alguns arbustos com seus braços fortes, Arthur saiu em uma planície estéril. Atrás dele se estendia um horizonte verde, e a sua frente descansava um circulo de pedra, que pareciam restos mortais de cidades do povo antigo. No centro desse circulo, ao lado de sua esposa morta, não foi um altar de sacrifícios que ele encontrou, mas sim uma porta. Uma porta que não tinha qualquer suporte que a prendesse a algum lugar. Suas pesadas dobradiças pairavam como mágica no ar, e as armas de Arthur estavam desenhadas na porta. Sobre as armas, duas palavras estavam escritas. Elas diziam: “O Rei”. Com um suspiro, Rainha Rowena atravessou a porta fechada e desapareceu. Inserto se deveria ou não fazer aquilo, O Rei embainhou sua espada, se aproximou e a seguiu novamente.

Demorou um tempo para que seus olhos se acostumassem à falta de luz nesse estranho “Mundo-Sombra” no qual ele havia parado de repente. Parecia não haver sol algum no lugar, e muito menos lua, apenas uma expressiva tristeza no ar. Nem mesmo a erva do diabo crescia entre as fissuras da estrada sobre seus pés. O ar era tão sujo que mesmo para respirar Arthur teve que cobrir sua boca e seu nariz com a mão. Seu instinto lhe dizia que havia entrado em um mundo paralelo, do qual os místicos Mannis falavam, e que nessa realidade, o veneno do povo antigo havia obliterado tudo.

À frente dele, sua esposa continuou ao longo da estrada poeirenta, seu sangrento fardo ainda permanecia em seus braços. Antes dela havia um portão de ferro ornamentado, que em algum ponto distante do passado abria e não tinha ferrugem. Espalhados ao redor da base do portão estavam os ossos dos soldados, alguns dos quais ainda trajavam seus uniformes azuis. Há muito, muito tempo atrás, deveria ter ocorrido uma batalha ali, onde nenhum dos lados saíra vitorioso. Afinal, não teriam os vencedores, pelo menos, enterrado seus próprios mortos?

Além do portão, o caminho destruído levava ao que parecia ser uma espécie de posto militar avançado, um edifício de forma cilíndrica feito de ferro enferrujado. Assim como o portão, cujos parafusos se encontravam enferrujados o que havia sobrado dos soldados parecia prestes a se dissolver em uma camada de pó avermelhado. Antes do arco que levava até a grande cabana de metal havia mais esqueletos vestindo uniformes azuis, e a órbita vazia de seus olhos parecia demonstrar um grande “Oh” de surpresa.

Rowena atravessou a porta fechada. Embora Arthur não conseguisse ler de imediato a estranha inscrição sobre o painel na porta, os símbolos inelegíveis logo transformaram-se em letras da língua superior. “Bem vindo ao Dogan”, diziam as letras. E, embora sua mente lhe alertasse de um possível perigo, ele decidiu ignora-la. Em vida, sua mulher o havia amado. Certamente ela não iria prejudicá-lo agora. Mas mesmo assim, apesar de acreditar piamente naquilo, sua mão direita avançou devagar até a arma de seis tiros, enquanto sua outra mão abria a porta. E, quando a porta foi aberta, ele segurou firme a arma em seu punho.

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No interior poeirento de metal do que parecia ser uma antecâmara do laboratório de um mago louco, encontrou uma legião de homens de metal. Não eram cavaleiros humanos vestindo armaduras – cada um situava-se a pelo menos sete metros e meio de altura, e eram demasiadamente altos para serem mortais – ao invés disso pareciam criaturas feitas por um mago, um antigo mestre já falecido. Os seus braços e pernas eram de prata, seus corpos de ouro e suas cabeças de aço inoxidável. Parecia que uma camada de poeira de pelo menos dez anos cobria suas cabeças. Aparentemente estavam inanimados – como as mais bizarras esculturas de inimigos – então Arthur baixou sua arma e observou o espaço ao seu redor, procurando algum sinal de sua mulher, mas ela havia desaparecido.

Arthur ouviu outros passos no quarto. “Rowena?”, perguntou ele. Mas em resposta veio o grito estridente de um alarme e um brilhante clarão de luz branca que quase cegou o rei, mas antes e Arthur poder cobrir seus ouvidos e olhos contra o ataque, os robôs criaram vida própria em um piscar de olhos de néon azul. Em três movimentos rápidos eles o cercaram, bloqueando a saída. Então uma mão fria de metal pousou sobre o ombro do rei. Houve um baque surdo e em seguida Arthur desmaiou.

Continua em: A História da Torre Negra, Parte IV: O Uffi do Mal

Escrito por: Robin Furth

Ilustrado por: Richard Isanove

Tradução e adaptação: Equipe “Projeto 19”

Confira também a Parte 1 e Parte 2 

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