O universo da Torre Negra é mais vasto do que muitos leitores pensam e isso reflete na quantidade de personagens e mundos paralelos criados por Stephen King no decorrer dos sete livros (agora 8, já que hoje foi oficialmente lançado o 8º livro da série), que, de uma maneira bastante curiosa, possuem várias ramificações em suas outras obras que não fazem parte oficialmente do universo da Torre, mas que estão indiretamente (ou diretamente, como é o caso do conto “As irmãzinhas de Eluria” do livro “Tudo é Eventual”)… Ligadas ao Mundo-Médio. Hoje falaremos um pouco mais sobre um personagem pouco conhecido mas muito interessante, a deusa pagã conhecida como Lady Oriza.
Embora ela seja considerada uma mera aldeã-heroína em Nova Canaã e nos baronatos vizinhos, para o povo das terras fronteiriças de Calla, onde o arroz é sinônimo de vida, Lady Oriza é reverenciada como uma deusa pagã. Também conhecida como “A Senhora do Arroz” e “A senhora dos pratos”, acredita-se que Oriza tenha vivido há muito tempo no Castelo Waydon, perto do Rio Send. Segundo a mítica lenda, a sua família abandonou o vale de Send apos as civilizações dos Grandes Antigos terem entrado em colapso, antes da ascensão de Arthur Eld ao trono de Todo-Mundo.
A lenda diz que Oriza era a única filha de Lorde Grenfall, o dinh de todos os baronatos ao longo do rio. Quando Lorde Grenfall foi morto por um dos seus astutos e infames rivais, o príncipe proscrito conhecido como Gray Dick, Lady Oriza planejou vingança contra o pai assassinado.
Segundo a história, Lady Oriza convidou Gray Dick a um imenso banquete em Waydon, seu castelo perto do rio Send. Queria perdoá-lo pelo assassinato do pai, disse, pois aceitara o Homem Jesus no coração e isso condizia com Seus ensinamentos.
– Você quer me fazer ir até aí para me matar, se eu for idiota o bastante para ir – disse Gray Dick.
– Não, não, – disse Lady Oriza – jamais pense nisso. Todas as armas serão deixadas do lado de fora do castelo. E quando nos sentarmos no salão do banquete embaixo, só haverá eu, numa cabeceira da mesa, e você na outra.
– Vai esconder uma adaga na manga ou uma bola sob o vestido – disse Gray Dick – E se não fizer isso, eu farei.
– Não, não, – disse Lady Oriza – jamais pense nisso, pois estaremos os dois nus.
Diante disso, Gray Dick foi dominado pela luxúria, pois Lady Oriza era bela. Excitou-o pensar no membro endurecendo a visão dos seios e pêlos desnudos dela, sem aqueles calções amarrados nos joelhos para esconder a excitação dos olhos da donzela que ainda era. E julgou entender por que ela faria tal proposta. “Seu arrogante coração vai liquidá-lo”, Lady Oriza disse à sua criada (cujo nome era Marian e que em seguida teve, ela mesma, muitas aventuras fantasiosas).
“A Lady tinha razão. Matei o Lorde Grenfall, o mais astuto lorde de todos os baronatos do rio”, disse Gray Dick a si mesmo. “E quem restou para vingá-lo além de uma filha fraca? (Ah, mas era bela.) Então a Lady roga paz. E talvez até casa-mento, se tiver audácia e imaginação, além de beleza.”
Acabou aceitando o convite. Seus homens vasculharam o salão do banquete no andar de baixo antes da sua chegada e não encontraram arma alguma — nada debaixo da mesa, nem atrás das tapeçarias. O que nenhum deles poderia saber era que durante semanas antes do banquete Lady Oriza exercitara-se em lançamento de um prato de jantar com peso especial. Treinava dez horas por dia. Tinha propensão atlética, para começar, e olhos aguçados. Também odiava Gray Dick do fundo do coração e decidira fazê-lo pagar, não importava o custo.
O prato de jantar não era apenas pesado; a borda fora afiada. Os homens de Dick deixaram passar isso, como ela e Marian tinham certeza de que fariam. E assim eles se banquetearam, e que banquete estranho deve ter sido, com o risonho e belo proscrito numa das cabeceiras da mesa e a donzela recatadamente sorridente, mas de refinada beleza, a 9 metros dele na outra, também nua. Eles brindaram um ao outro com o mais excelente vinho tinto do Lorde Grenfall. Enfureceu a donzela quase à loucura vê-lo sorver ruidosamente aquele requintado vinho campestre como se fosse água, gotas escarlates escorrendo-lhe pelo queixo e respingando no peito peludo, mas ela não deixou escapar sinal algum; apenas sorria, faceira, e tomava goles de seu cálice. Sentia nos seios o peso dos olhos dele. Era como ter percevejos rastejando de um lado para outro na pele.
Por quanto tempo continuou esse jogo de gato e rato? Alguns narradores de história punham-na dando fim a Gray Dick após o segundo brinde. (O dele: Que sua beleza aumente para sempre. O dela: Que seu primeiro dia no inferno dure 10 mil anos, e que este seja o mais curto de todos.) Outros — o tipo de intrigantes que adoravam prolongar o suspense — narravam uma refeição de 12 pratos antes de Lady Oriza agarrar o prato especial, os olhos cravados nos de Gray Dick e a sorrir-lhe enquanto o girava, tateando à procura do lugar embotado onde era seguro pegá-lo.
Não importa a duração da história, sempre terminava com Lady Oriza lançando o prato. Pequenos canais estriados haviam sido esculpidos na base do prato, embaixo da borda afiada, para ajudá-lo a voar com precisão. Ao fazê-lo, zumbiu misteriosamente na trajetória, lançando sua sombra fugaz no lombo de porco e peru assados, nas vasilhas repletas de legumes, as frutas frescas empilhadas em travessas de cristal.
Um momento depois que ela lançou o prato em trajetória ligeiramente ascendente — o braço continuava estendido, o primeiro dedo e o polegar dobrado mirando o assassino do pai —, a cabeça de Gray Dick saiu voando pela porta aberta para o salão de entrada atrás dele. Por um momento mais longo, o corpo de Gray Dick ficou ali com o pênis apontado para ela como um dedo acusador. Então o membro murchou e o Dick atrás do dele tombou com estrondo para a frente num imenso filé e uma montanha de arroz com ervas. Lady Oriza ergueu o cálice de vinho e brindou ao corpo.
Embora essa seja a mais comum entre todas as lendas, existem muitas outras. A mais antiga delas conta que Oriza foi quem criou o primeiro homem, de cujo hálito surgiu a primeira mulher.
Atualmente, o legado de Lady Oriza é chamado de “Irmãs de Oriza”, uma sociedade orientada por mulheres espalhas pelas fronteiras de Calla. Além de auxiliar os outros, o grupo social comumentemente cozinha para festivais, casamentos, e funerais; são hábeis costureiras e detém a criação de abelhas para ajudar famílias carentes; na manutenção de parques e edifícios públicos, e organizam bailes entre outras atividades.
No entanto, as Irmãs de Oriza tornaram-se mais conhecidas graças as suas habilidades em manipular a arma criada por sua deusa patrona. Modelados com base nas chapas que Lady Oriza usou para matar Gray Dick, as irmãs utilizam pratos azuis com um padrão de desenhos em um azul delicado que simbolizam as plantações de arroz. Essas placas, chamadas “Orizas” (Ou “Rizas de tiro”) tem um pouco mais de um pé de diâmetro e são feitas de titânio por artesãos em Calla Sen Chre. Três quartos da borda da chapa são talhados de modo a deixar aquele ponto como uma navalha afiada, enquanto do restante um quarto é reforçado e ligeiramente mais grosso para que os pratos possam ser usados como discos. Além disso, uma pequena chapa de metal é anexada à parte inferior, a fim de imitar o som de assobio feito pelo primeiro “Riza” utilizado por Lady Oriza. Uma vez por mês as irmãs de Oriza realizam um cerimonial em homenagem ao dia em que Lady Oriza saiu triunfante de seu confronto contra Gray Dick.
Escrito por:
Stephen King/Anthony Flamini
Ilustrado por:
Richard Isanove/David Yardin/Val Staples/Jale Lee
Tradução e adaptação:
Equipe “Projeto 19”
Professor de Língua Portuguesa e Literatura, graduado em Letras pela UEG (Universidade Estadual de Goiás), pós-graduado em arte/educação pela UFG, viciado em literatura de terror/suspense, amante incondicional de séries e Hq´s e fã de carteirinha do mestre Stephen King desde 1996.