Título original: The eyes of the dragon
Título traduzido: Os olhos do dragão
Editora: Objetiva – 2002
Ano de publicação (EUA): 1987
Personagens: Pedro, Tomás, Rei Rolando, Randall Flagg, e Rainha Sasha
Conexões: A Torre Negra
Páginas: 282
Sinopse: No distante reino de Delain viviam o rei Rolando e seus filhos Pedro e Tomás. Rolando era um rei cujo reinado deixava bastante a desejar, porém, enquanto teve a rainha Sacha ao seu lado, conseguiu contornar relativamente bem os problemas do reino. A rainha interferia, aconselhando-o, orientando-o sobre quais medidas tomar para aliviar as dificuldades de seus súditos. Sua bondade fez com que fosse amada pelo povo, além atrair a atenção de um perigoso feiticeiro conhecido com Flagg, que se recusava a aceitar a perda do poder sobre as decisões do rei. Um conto de fadas no melhor estilo Kingniano.
Crítica do Leitor
Stephen King…
Muitas vezes este nome é o suficiente para que algumas pessoas torçam o nariz. Seja pura e simplesmente por seus livros dentro do gênero terror, gênero este que sofre de grande preconceito, seja pela propalada falta de relevância literária dos mesmos (uma questão que talvez discutamos em outra ocasião), o fato é que, àqueles que só ouviram falar, o nome do escritor norte-americano evoca macabras visões de fantasmas, espíritos demoníacos de pretensões homicida, vampiros e outros monstros típicos de nossa mente coletiva.
Na discussão da relevância do trabalho de King, muitos de seus detratores se esquecem de analisar o modus operandi, isto é, como o autor decide contar a história. “Os Olhos do Dragão” (The Eyes of The Dragon no original em inglês) é um exemplo perfeito de história bem contada. Vejamos porque. O primeiro motivo disto, que salta os olhos logo nas primeiras frases e que pode causar estranheza aos leitores mais desavisados, é que este não é um livro de terror. Não, o dragão do título não sai voando por aí rasgando pessoas em sangrentos pedaços de carne enquanto que, com seus flamejantes olhos, enfeitiça criancinhas para serem suas eternas escravas…
(Ei! Que historinha boa que inventei!!!)
Ao contrário, temos aqui um típico caso de história contada pela estrutura de uma fábula, incluindo-se o clássico “era uma vez”.
Dentre as personagens destacam-se os dois irmãos Pedro e Tomás que são os filhos do rei Rolando de Delain, o clássico reino distante, e Flagg, o malvado mágico e conselheiro do rei (e põe malvado nisso).
Pedro, o primogênito é tido como um menino lindo e perfeito, digno de seu futuro como rei, que conquista a preferência de todos com seu caráter sempre constante. Tal preferência é refletida na própria relação entre o rei e seus filhos, já que Tomás é mostrado como um menino de feições rudes, confuso, com poucas aptidões físicas e de raciocínio lento.
Os mais espertos já devem ter sacado que Flagg não leva, gratuitamente, o título de “malvado mágico” ali em cima… E de que adianta um personagem malvado se ele não faz malvadezas com outros personagens?
E quem seriam as vítimas de suas maldades…?
É você acertou de novo…
Espera um pouco. Rei de um lugar distante, filho mais querido e filho relegado, um malvado mágico que serve ao rei… isso tudo não é clichê demais você me pergunta?
SIM!
Mas então qual é a graça de ler uma histórinha tão batida assim? Resposta: A história em si.
Primeiro que eu não contei sequer a metade de toda a trama do livro ali em cima. Acredite, embora seja uma história conhecida, o jeito com o qual ela é construída faz toda a diferença. Um ponto decisivo neste aspecto são os personagens. É impossível não se admirar com as qualidades do príncipe Pedro, ou não sentir empatia pela personalidade “imperfeita” do príncipe Tomas. E claro, o mágico Flagg é um daqueles vilões deliciosamente odiados, o tipo de personagem que parece ter escrito a palavra PERIGO em letras bem grandes e vermelhas, escorrendo em sangue pela testa. E veja bem, estes são apenas alguns dos muitos personagens envolvidos na trama, e se eu não falo mais sobre eles é para não estragar a leitura de ninguém.
Além do absurdo esmero na concepção dos personagens, King também dedica-se à própria voz narrativa. O narrador assume literalmente a voz de um contador de histórias. O desenrolar da trama, nas palavras de tal narrador ganha força em dois aspectos: Existe um tom ao mesmo tempo solene e aventuresco na narração, sendo impossível ao leitor não se imaginar sentado em frente a uma fogueira, encantado pelas precisa palavras do contador de histórias. Além disso, em muitas ocasiões o narrador/contador de histórias estabelece um diálogo direto com o leitor, seja com comentários explicativos sobre determinada situação, ou na maioria dos casos, com pequenas e rápidas piadas sobre os personagens. Um bom exemplo deste tipo de diálogo bem humorado ocorre em certas descrições do rei Rolando. Em determinado momento, o contador de histórias diz que o “ato de pensar”, para o rei Rolando, era algo tão difícil, tão difícil, que quando ele pensava demais seu nariz entupia.
Mais do que um forte equilíbrio entre o tom de aventura solene e o tom de humor, estas frases do narrador aproximam o leitor das personagens e da própria história que está sendo contada, estimulando a leitura e impedindo que o livro seja facilmente fechado. Além disso, a história nunca fica “perigosa demais” (transformando-se em um livro de terror) nem “boba demais” (transformando-se em algo fútil).
Outro ponto importante é o enredo. Embora seja uma história feita com elementos clichês, em nenhum momento o leitor tem a sensação de que já sabe o que vai acontecer. Aliás, nos poucos momentos em que isso ocorre, o próprio narrador adianta eventos óbvios que estão um pouco à frente na leitura. Ponto positivo mais uma vez para o jeito de narrar, pois ao adiantar os eventos claramente óbvios que se aproximam, o que Stephen King quer dizer é: “Eu sei que você leitor é inteligente, mais adiante vai acontecer exatamente isso que você está pensando, mas esqueça isso por um momento e veja como a coisa aconteceu.” Não posso falar muito mais, sob o risco de revelar detalhes importantes. Contudo, dois pontos são interessantes de se frisar ainda. O primeiro são as ilustrações. Sim! É um livro com cara de fábula, nada mais justo que tenha ilustrações. Uma rápida busca por David Palladini no Google mostra alguns de seus trabalhos, incluindo algumas ilustrações de “Os Olhos do Dragão”. A presença de figuras em livros, muitas vezes rouba nossa imaginação, dando “caras” diferentes ao jeito pelo qual entendemos o personagem em nossas cabeças. Não é o que ocorre aqui. História e ilustrações completam-se perfeitamente, ambas contribuindo para a atmosfera fantástica do livro. Abaixo segue uma das que menos podem revelar detalhes, onde pode se ver o malvado Flagg em seus aposentos.
Por fim, Os Olhos do Dragão possui um vínculo direto e forte, com “A Torre Negra”. Caso você não saiba, “A Torre Negra” é um épico narrativo do autor, onde muitos livros de King fazem eco ou ao menos tem alguma espécie de ligação. Quem sabe um dia eu fale mais sobre a Torre, ela certamente merece, mas falar sobre ela é estar sobre risco constante de falar demais e revelar coisas que você só deve descobrir lendo a dita cuja…
(Para os desavisados, a série de “A Torre Negra” possui sete livros, de tamanho variado, sendo que ainda neste ano um oitavo livro deve ser lançado, a fim de cobrir alguns “pontos obscuros” da série).
Pois bem, “Os Olhos do Dragão” pode não ser o livro que vai mudar a literatura mundial. Mas se você está atrás de uma história de aventura, com personagens cativantes e com um enredo lindamente arquitetado, certamente é uma boa pedida. Aqueles que possuem um conhecimento mais amplo da obra de King, talvez concordem que “Os Olhos do Dragão”, embora não demonstre 1% do potencial de King como autor de terror, tem um King que é 120% contador de histórias. Uma boa porta de entrada para aqueles que torcem o nariz para o escritor norte americano. Ao ler “Os Olhos do Dragão” o leitor pode se familiarizar com um pouco do estilo de King em contar histórias e depois, se desejar, se aventurar a ler algo mais “típico” como “O Iluminado” ou “A Hora do Vampiro”.
Resenha enviada pelo leitor Afonso Alexandre, publicada originalmente no seu blog: www.blasquezfigueroa.
Curiosidades
- Segundo King, o livro foi escrito para sua filha Naomi (na época, com apenas 13 anos).
- Flagg, o vilão do livro, é também o vilão do romance “The Stand” e “The Dark Tower”, sendo que os dois jovens príncipes da história, Pedro e Tomás, são ligeiramente mencionados no segundo livro da série “A Torre Negra”.
- Em “A Torre Negra VI: Canção de Susannah”, quando perguntado sobre seu avô Alarico, Roland diz que Alarico foi para Garlan, a terra ao lado de Delain, para matar um dragão, mas chegou lá muito tarde, porque o último dragão em que partiu do mundo já havia sido morto por outro rei, que mais tarde foi assassinado.
- Delain é mencionada em “as irmanzinhas de Eluria” como sendo “um país de mentirosos”.
Capas
Professor de Língua Portuguesa e Literatura, graduado em Letras pela UEG (Universidade Estadual de Goiás), pós-graduado em arte/educação pela UFG, viciado em literatura de terror/suspense, amante incondicional de séries e Hq´s e fã de carteirinha do mestre Stephen King desde 1996.
3 Responses
Eu adorei muito este livro, apesar de ser um livro de fantasia ao estilo clássico obviamente King não deixou de acrescentar marcas exclusivas dele. Flagg realmente é o mal em muitas formas…quem lê constantemente os livros do King, creio eu, sempre fica com uma expressão de dúvida quando se defronta com algum personagem “sombrio” com iniciais R.F. (apesar que houve exceções). A primeira coisa que pensei ao terminar este livro foi: se um dia tiver um filho ou uma filha sem dúvida alguma este será o primeiro livro do King que ele(a) irá ler! Nota 11 esse livro daí!
Esse livro (meu favorito do autor) tem local de destaque na estante: a bela contracapa da edição de ‘Mestres do Horror e da Fantasia’ está exposta com o livro de pé, tamanha a beleza da ilustração.
Vontade de reler este livro!! Na época em que comprei este livro,achei que fosse um livro de terror. Mas a fábula de King me encantou. E amei as ilustrações. Repito:vontade de reler este livro! Irei procurar na minha estante…Hehe