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Longos Dias e Belas Noites Leitores Fiéis! O post de hoje é especial. Nele conversamos um pouco com a Regiane Winarski, que já trabalhou em alguns copidesques para a Editora Objetiva e hoje traduz os livros de Stephen King no Brasil. Neste bate-papo informal com ela (que foi super receptiva, diga-se de passagem) nós ficamos sabendo um pouco mais sobre como funciona a tradução dos livros de Stephen King no Brasil. Esperamos que gostem!

SKBR: Primeiramente, muito obrigado por nos conceder um pouco do seu tempo para responder nossas perguntas e satisfazer um pouco mais da nossa curiosidade sobre o seu trabalho. Fale-nos um pouco mais sobre você. Onde nasceu? Qual sua formação acadêmica? Trabalha há quanto tempo como tradutora?

REGIANE: E eu agradeço a oportunidade de falar um pouco mais do meu trabalho para os leitores. Sou do Rio de Janeiro e morei aqui quase minha vida toda. Minha história de vida deu algumas voltas até chegar onde estou agora. Quando terminei o ensino médio, fui estudar Engenharia Química, pois química é uma das minhas paixões, mas ao longo do curso percebi que não era com isso que eu queria trabalhar. Fiz novo vestibular e fui estudar Comunicação Social – Produção Editorial na UFRJ, pois tinha o sonho de trabalhar com livros, embora não soubesse direito se com tradução ou inserida no processo editorial. No começo da faculdade, fiz paralelamente um curso de licenciatura curta para dar aulas de inglês, pois já tinha o diploma de Cambridge (CPE) e, na época, algumas faculdades ofereciam essa alternativa (que já não existe mais). Como eu precisava trabalhar e ganhar dinheiro, comecei a dar aulas de inglês ainda enquanto cursava a faculdade, e acabei me formando em Produção Editorial e decidi continuar dando aulas (por questões financeiras mesmo). Fiquei nisso por dez anos, até ter minha filha. Pouco depois que ela nasceu, eu decidi finalmente me dedicar à carreira que tanto admirava (meu TCC da faculdade, inclusive, foi sobre tradução) e parei de dar aulas. Passei um tempo estudando até conseguir minha primeira oportunidade de traduzir, em 2008.

SKBR: Quais foram seus primeiros trabalhos na área?

REGIANE: Eu comecei traduzindo romances de banca de jornal, depois fiz um curso de legendagem e trabalhei por mais de um ano legendando filmes, séries e documentários para TV a cabo. Pelo que me dizem, de vez em quando ainda passam alguns filmes ou episódios de séries que eu legendei, pois a produtora pra qual trabalhei sempre botava o nome do tradutor no final (como sempre deve acontecer, aliás! Lembrem sempre de creditar os tradutores, até nas suas resenhas, amigos!). Quando fazia legendas, consegui meu primeiro teste pra um livro da Galera Record. Fui aprovada, traduzi esse livro (Swoon – Amor além do tempo, de Nina Malkin) e não parei mais depois disso.

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SKBR: Como você começou a traduzir os livros do King no Brasil? Você já conhecia o trabalho dele anteriormente, como leitora?

REGIANE: Ah, agora a gente chegou na melhor parte da história. Muito antes de ser tradutora, quando ainda estava aprendendo inglês na adolescência, eu me tornei muito fã de Stephen King. Meu primeiro contato com ele veio quando comprei uma revista chamada Speak Up para treinar meu inglês e me deparei com o conto “The Boogeyman”, que faz parte do livro Sombras da Noite e foi traduzido como “O Fantasma”. Eu li aquele conto, mesmo sem entender tudo, mesmo tendo que procurar um monte de coisas no dicionário (eu era aluna de nível intermediário de inglês) e pensei: “Caramba! Eu tenho que ler mais coisas desse cara.” Sempre que chegava aniversário ou Natal, eu e um amigo pedíamos livros do King, sempre livros diferentes para podermos emprestar um pro outro. Christine foi o primeiro livro inteiro que li em inglês. Eu já li praticamente tudo que esse cara escreveu, tenho uma coleção enorme de livros dele em casa. Mas nunca, nunquinha eu imaginei que ia chegar a um dia traduzir um livro dele.

Em 2009, eu recebi uma proposta de trabalho um pouco diferente do que estava fazendo, que era legendagem e minhas primeiras traduções. A editora Objetiva pretendia relançar alguns livros do King em formato de bolso e queria que alguém fizesse um copidesque das traduções antigas. O copidesque é uma leitura comparando o original e a tradução (costuma ser a etapa que vem logo em seguida da tradução) e fazendo as devidas alterações em caso de frases/parágrafos esquecidos ou erros. No caso, eram livros traduzidos entre as décadas de 80 e 90, alguns um tanto problemáticos. Eu aceitei, era minha primeira oportunidade de trabalhar com um livro do King. Revisei a tradução inteira de seis livros de Stephen King para relançamento nesse formato. Foi muitíssimo trabalhoso e não pagava muito bem, e por isso mesmo parei depois desse último. Eu queria me dedicar integralmente à tradução. Depois desses trabalhos, fiz algumas revisões para a editora e logo comecei a traduzir para o selo Fontanar. Em 2012, comecei a traduzir para a Suma de Letras, e em 2013 o editor me ofereceu a tradução de It – A Coisa. Ele sabia que eu era fã do King e conhecia bem meu trabalho, e achou que daria certo. Imaginem só uma proposta dessas! Ainda tivemos que negociar o prazo, pois o livro é enorme e eu tinha outros trabalhos engatilhados, mas acabou dando tudo certo e tive a experiência maravilhosa de refazer a tradução de um livro que eu já tinha lido uns 25 anos antes, uma obra-prima do meu ídolo.

SKBR: Com quais livros de Stephen King você trabalhou e do qual mais gostou? (exemplifique sua resposta rsrs)

REGIANE: Como falei antes, eu fiz copidesque de seis livros (vale dizer que eu já tinha lido todos, rs) do King para relançamento no formato de bolso: À Espera de Um Milagre (chorei tudo de novo na frente do computador), A Maldição do Cigano (que saiu só como A Maldição – um título bem melhor), Os Olhos do Dragão (os nomes dos personagens tinham sido traduzidos, e a orientação era voltar para o original), Desespero (um dos meus favoritos dele), O Talismã (eu não me lembrava de quase nada, foi uma redescoberta deliciosa) e Rose Madder (as pessoas não falam muito desse livro, mas eu acho incrível e adoro o tema da mulher abusada que decide mudar de vida).

Depois disso, peguei minha primeira tradução do King em 2013, e logo de It – A Coisa, um livraço tanto em tamanho quanto em conteúdo. Um tempo depois, a editora me ofereceu de traduzir Joyland, e tive uma surpresa maravilhosa, pois não estava apostando muito na história. Acabou que me apaixonei pelo livro (e agora recomendo pra todo mundo que tem curiosidade de ler King, mas tem medo desse rótulo de escritor de terror). Um tempo depois, traduzi seguidinho os três da trilogia Bill Hodges, Mr. Mercedes, Achados e Perdidos e Último Turno. Quando acabei, tive o grande prazer de pegar o Bazar dos Sonhos Ruins, e depois ainda traduzi um outro dele que vai sair ano que vem (qual será? Hehe).

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Como fã inveterada do autor, eu tenho que dizer que gostei de todos. (Gostei mesmo, não é balela.) Mas Joyland foi a melhor surpresa, porque eu não dava nada por ele e tive uma experiência linda. E It – A Coisa foi uma aventura única e maravilhosa, porque foi minha primeira tradução dele, porque é um livro que eu já conhecia e amava.

SKBR: Muitos leitores acreditam que a tradução de um livro é um processo mecânico, feito com um dicionário do lado e que desconsidera muitos aspectos que nós sabemos que são de grande importância para que se faça uma boa tradução. Conte-nos um pouco mais sobre como funciona o seu processo de tradução de livros e quais as principais dificuldades que você encontra no seu trabalho.

REGIANE: Tradução literária nunca é mecânica! Aliás, nenhuma tradução devia ser. Quem nunca pegou um manual de aparelho eletrônico e terminou a leitura mais confuso do que quando começou? Acho que não existe prova maior disso.
O que eu procuro fazer é mergulhar na história e prestar atenção na voz do autor. É como fazer uma nova amizade. Procuro seguir os caminhos que ele percorre e deixar que isso guie o que vou escrever. É um trabalho muito gratificante. Eu costumo demorar mais quando começo um livro porque preciso de uns dias pra sentir o autor e pegar o jeito pra dar continuidade ao livro dele. Depois que pego o jeito, o texto flui com mais facilidade.

Pra mim, uma das maiores dificuldades é quando o autor mergulha em um assunto que eu desconheço. Por exemplo, traduzi um livro maravilhoso de não-ficção sobre uma agente funerária, que conta a história dela desde que foi trabalhar em um crematório e todas as suas divagações sobre a morte depois disso (Confissões do Crematório, de Caitlin Doughty, que saiu pela editora DarkSide este ano). Precisei fazer uma pesquisa exaustiva sobre práticas, instrumentos, métodos, e não foi nada fácil. Já precisei pesquisar sobre tantos assuntos malucos que qualquer espiada no meu histórico do navegador seria um escândalo, hahahaha. Uma outra grande dificuldade, claro, é quando pego para traduzir livros que não são tão bem escritos quanto um King, por exemplo.

SKBR: Além de traduzir a trilogia Hodges (MR. Mercedes, Achados e Perdidos e O Último Turno), você também foi a responsável pela tradução do próximo inédito de Stephen King no Brasil, “The Bazaar of Bad Dreams”, que recebeu o título “O Bazar de Sonhos Ruins”. De quem foi a ideia da tradução literal do título do novo livro de contos e dos títulos da trilogia Hodges?

REGIANE: A primeira coisa que os leitores precisam saber: o tradutor não escolhe o título do livro. Quem toma essa decisão é o editorial, e leva em consideração várias coisas na hora de fazer isso. O tradutor pode e deve sugerir títulos e muitas vezes entra na discussão pra chegar a uma conclusão, mas quem bate o martelo nunca é ele. Por um acaso, eu concordei com a decisão do editorial pro título desse livro novo de contos. Os títulos dos contos são decisão do tradutor, e, no caso desse livro, a editora seguiu as minhas decisões. (Mas precisa ficar bem claro também que meu trabalho todo é avaliado: o texto passa pelo copidesque, que eu expliquei anteriormente, e depois passa por revisões. Além disso, quem for responsável pela edição também decide se aprova as escolhas que eu fiz ou se é preciso mudar alguma coisa.) No caso de Mr. Mercedes, não havia muita dúvida. Às vezes o título original não leva a questionamento nenhum. Achados e Perdidos foi uma das minhas sugestões, e o pessoal da editora concordou. E pra Último Turno eu tinha sugerido outra coisa, mas o editorial preferiu esse e eu curti quando me disseram.

SKBR: Existe diferença na tradução de um livro de contos e de um romance, ou é tudo a mesma coisa?

REGIANE: Num livro de contos, é como se houvesse vários recomeços. Isso interfere naquela questão que comentei antes, de mergulhar na história e pegar o jeito. Claro que o autor sendo o mesmo pra todos os contos, o processo de entendimento fica mais fácil, mas cada história tem seu universo, e é preciso entrar nele pra fazer um trabalho legal de tradução. Por outro lado, um romance longo pode ser cansativo, enquanto um livro de contos é sempre revigorante, por conta das mudanças de história. Eu adorei minhas experiências com contos.

SKBR: O último livro da trilogia Hodges saiu relativamente próximo do lançamento lá fora. Isso impactou, de alguma forma, seu trabalho de tradução ou você teve tempo de aproveitar a história também, na medida em que ia traduzindo?

REGIANE: Pensa o seguinte: quando eu recebi Último Turno pra traduzir, ninguém no Brasil tinha lido o livro ainda. (Normalmente, alguém da editora lê os livros antes de adquirir para publicação, mas, no caso desse, que é o terceiro de uma trilogia, o livro foi comprado sem precisar dessa avaliação.) Eu surtei muito! Foi uma jornada maravilhosa, uma diversão sem fim, o melhor trabalho do mundo. Eu gosto demais desse livro, achei o melhor dos três, e só lamentei mesmo não ter com quem conversar sobre ele na época. O pessoal aqui em casa até ria de mim durante a tradução, porque eu às vezes conversava com a tela, hahaha.

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SKBR: Quais foram as maiores dificuldades encontradas por você durante a tradução da Trilogia Hodges?

REGIANE: Puxa, eu não quero dar spoiler pra quem não leu ainda. Mas tive que fazer uma pesquisa exaustiva sobre aparelhos eletrônicos (quem leu sabe do que estou falando), e acho que isso foi o mais trabalhoso. Mas essa foi uma trilogia maravilhosa, que fluiu superbem e não me provocou maiores dificuldades. Só tenho lembranças boas do tempo que passei com o Hodges, o Brady, a Holly e o Jerome. Curiosamente, eu sempre gostei dos heróis improváveis, dos personagens incomuns que acabam tomando caminhos inesperados nas histórias. Esse livro é cheio disso.

SKBR: Sabemos que tradução de um livro literário é um trabalho que requer paciência e muito cuidado na escolha das palavras, afinal é muito mais do que simplesmente transcrever palavras para o nosso idioma. Conte-nos um pouco mais sobre como foi sua rotina durante a tradução de “O Último Turno”? E como você se sentiu ao terminá-lo? Aliviada?

REGIANE: Último Turno foi um livro que eu traduzi praticamente de uma tacada só. Digo praticamente porque eu tive um período de viagem de férias no meio, mas ele fluiu tão bem e a história é tão amarrada e fechou de uma forma tão tranquila que acho que foi o livro mais fácil e menos trabalhoso do King pra mim. Por outro lado, eu me apeguei tanto aos personagens que chegar ao fim foi muito triste. Eu queria mais Hodges, Holly e Jerome. E até o Brady eu curti, achei um vilão digno da galeria dos melhores do King. Foi uma separação sofrida, rs. Mas o orgulho de ver o livro nas livrarias e nos sites, ah, isso foi lindo.

SKBR: Recentemente, A Suma de Letras anunciou, com uma foto no perfil do Instagram deles, que o próximo inédito a ser lançado será “O Bazar de Sonhos Ruins”. Como foi para você traduzir este livro? Pode adiantar, para os fãs que ainda não tiveram a oportunidade de ler o livro, o que eles podem esperar dele?

REGIANE: Bazar é um livro ótimo, com vários contos excelentes. Tem uma coisa nesse livro que eu adoro, que é quando o King fala diretamente com o leitor. Antes de cada conto tem uma conversinha com ele, uma delícia. O único que eu já tinha lido é o “Milha 81”, que acho excelente, bem King tradicional (e acho que muitos leitores já devem ter tido a oportunidade de ler também). “A duna” e “Garotinho malvado” têm um gostinho de King das antigas, e tem uma coisa que ele diz sobre ser escritor no texto de introdução a “Mister Delícia” que eu acho que todo mundo que gosta de escrever e pretende ser escritor deve levar em consideração. Foi uma das coisas mais importantes sobre o ato de escrever que eu li ultimamente. “Obituários” e “Trovão de verão” são dois dos meus favoritos nesse livro. “Indisposta” faz um caminho muito interessante, partindo também de uma coisa que ele diz na introdução. Pra ser bem sincera, só não gostei de um conto desse livro, mas não vou dizer qual foi só pra manter o mistério, haha. Acho que vale muito a leitura, foi uma viagem muito agradável e prazerosa. É um excelente livro de contos. Mergulhem de cabeça e leiam sem preconceitos, porque é lindo. Até o famoso “Blockade Billy”, que me obrigou a aprender sobre beisebol (é sério, eu parei de trabalhar uns dias pra aprender sobre o esporte) é um conto legal.

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SKBR: De todos os livros traduzidos por você (não apenas os do King), qual foi o mais complexo e por quê?

REGIANE: Um dos mais complexos sem dúvida foi It – A Coisa. É um livro enorme, com muitos personagens e muitas histórias se cruzando, em que eu precisei ficar conferindo muitas coisas ao longo da tradução. Tem muitas referências culturais e tem muitas cenas pesadas, exaustivas emocionalmente. Era comum que eu precisasse parar no meio dessas cenas pra descansar, espairecer um pouco. (Pra quem leu: eu parei no meio da cena do Tom na casa da Kay e na cena do Patrick Hockstetter e o irmãozinho, por exemplo.)

SKBR: De todos os livros que você já traduziu, de qual mais gostou? E Por quê?

REGIANE: Ah, mas isso é igual a perguntar para uma mãe de qual filho ela gosta mais! Eu amo (quase) todos os meus livros, costumam ser meus companheiros por meses e eu me dedico totalmente a eles. Não sou capaz de escolher um especificamente.

SKBR: Tradução de livros literários é um processo que exige, além de conhecimento linguístico, muita leitura e mesmo escrita. Todo tradutor também é um leitor e escritor em potencial?

REGIANE: Sim e sim! Sempre que alguém que quer ser tradutor me pede dicas, eu digo que uma das coisas mais importantes é ler muito. A gente tem que ler material de todos os tipos, tanto no estilo com que quer trabalhar quanto diferentes. Eu leio muitos livros de ficção, como os que traduzo, mas também leio muitos textos jornalísticos e outras publicações em geral. Leio também tanto livros traduzidos quanto livros em inglês e livros de autores brasileiros. A gente tem que estar à vontade com todos os caminhos que a nossa língua percorre. Muita gente acha que basta saber muito inglês para traduzir, mas, olha, o português é ainda mais importante nessa hora. O tradutor tem que ser mestre no uso das palavras e dos recursos da língua. Eu me considero sim escritora, mas não criadora de histórias. Não pretendo escrever um livro, não tenho a imaginação pra isso. Mas me considero uma pessoa com o dom das palavras o suficiente para trabalhar bem usando-as nas histórias de outras pessoas. Se você quer ser tradutor, lembre-se disso: tem que estudar muito português e ler muito!

SKBR: Você também trabalhou na tradução de “IT – A Coisa”. Imagino que o desafio de traduzir um livro daquele tamanho foi igualmente imenso. Pode nos contar um pouco mais sobre como foi o período em que você trabalhou nele?

REGIANE: It – A Coisa chegou pra mim no momento certo. A tradução era necessária porque a anterior estava extremamente datada e “suavizada”, resquício de um trabalho feito no final da ditadura. Eu tinha lido quando adolescente, mas decidi não reler quando comecei a trabalhar no livro, para não ser influenciada. Eu estava querendo um desafio daqueles, e foi muito encorajador pra mim ter a confiança de um editor incrível pra fazer aquele “trabalhinho”, rs. Eu fiquei nove meses trabalhando nesse livro. Havia dias que precisava parar um pouco, porque It – A Coisa é um livro com uma carga emocional pesadíssima, com discussões sobre assuntos importantes como racismo, feminismo e tantos outros. Nem tenho como descrever a sensação que tive no dia que enviei o trabalho pronto pra editora. Foi uma jornada incrível. Eu praticamente me senti parte do Clube dos Otários, haha.

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SKBR: King utiliza muitas gírias e neologismos em seus livros, que muitas vezes causam certa confusão para leitores de primeira viagem, ao lerem suas obras no idioma original. Já se deparou com algum termo que não possui equivalente na língua portuguesa ou cuja gíria você teve dificuldade de traduzir? O que você faz nessas situações?

REGIANE: As gírias são uma das maiores armadilhas na hora da tradução. O autor pode fazer uso das gírias que quiser, datadas ou não, regionais ou não. Já o tradutor precisa tomar um cuidado danado com isso, pra não cair no ridículo. Se ele usa uma gíria típica do Texas pra um determinado personagem (e isso vale pra sotaque por meio da escrita e outros recursos similares), não dá pra simplesmente transformar o texano num mineiro, por exemplo, porque fica ridículo e inverossímil. Quando isso acontece, a gente tem que ser cuidadoso pra tentar expressar o mesmo que o autor expressou usando recursos um pouco diferentes. Além disso, não é desejável usar uma gíria que daqui a dois anos vai estar esquecida, nem uma que só se use em São Paulo ou no Rio de Janeiro, porque tudo isso limita o texto demais.

Outro caso foi como o que aconteceu em Joyland, com o Colóquio. Todo aquele jargão de parque teve que ser adaptado. O King mesmo falou na Nota do Autor que ele pesquisou e usou expressões reais de parques de diversão, mas também inventou muita coisa. Eu segui isso e pesquisei tudo do Colóquio, para me inspirar nas palavras e expressões que realmente existiam, e usei minha criatividade no resto. Acho que o resultado ficou legal. Esse é o tipo de coisa que sempre vira um desafio pro tradutor, mas é um desafio gostoso que dá uma sensação de satisfação no final.

SKBR: O que é preciso (além do domínio da língua a ser traduzida, é claro) para tornar-se um bom tradutor atualmente?

REGIANE: Escrever muito bem, conhecer e dominar o português, ser bom conhecedor da língua de origem e saber e não ter preguiça nenhuma de pesquisar. Tem que ter sempre uma pulga atrás da orelha, porque quando a gente trabalha com uma língua que não é a nossa, é preciso sempre desconfiar de qualquer coisa que pareça remotamente esquisita, mesmo que você ache que saiba o que ela significa.

SKBR: Quais são seus projetos para o futuro, dentro ou fora da área de tradução? Algum trabalho novo do King à vista?

REGIANE: Profissionalmente, minha vida é a tradução. Eu tenho a sorte de trabalhar com o que amo e sempre tem coisas legais surgindo por aí. Quanto ao King, além do “Bazar dos Sonhos Ruins”, eu traduzi um outro que deve sair ano que vem. Acho que os leitores vão gostar. E faço vários outros trabalhos pra outras editoras também, em áreas bem variadas. Traduzo muita coisa jovem e também de fantasia.

SKBR: Gostaria de mandar algum recado para os leitores do blog?

REGIANE: A leitura é a melhor arma e o melhor recurso que vocês podem ter na vida. Quando a gente lê, a gente aprende, cresce, conhece, viaja, se desenvolve, se identifica. Talvez seja a coisa mais fácil que a criança e o jovem podem fazer pelo futuro, deles e do mundo. Portanto, eu sempre peço quando tenho a oportunidade, leiam de tudo! Não se fechem só na sua zona de conforto. Explorem, conheçam, se aventurem. Há um mundo maravilhoso de autores e títulos e culturas aí pra gente conhecer. Aproveitem essa oportunidade ao máximo!

SKBR: Por último, Regiane, gostaria de agradecer a sua participação e parabenizá-la pelo seu trabalho nos últimos livros do King. Desejo-lhe mais sucesso ainda!

REGIANE: Obrigada! Foi um prazer responder suas perguntas. Espero continuar tendo oportunidade de trabalhar com o King e com outros autores incríveis como ele.

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2 Responses

  1. Adorei a entrevista,foi muito bom conhecer mais sobre esse trabalho.
    Fiquei curiosa para saber qual o título que ela sugeriu para End of Watch =)

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